Não haverá qualquer coisa a ser recuperada sob essa palavra que já não usamos ou, quando o fazemos, nós a igualamos a sofrimento, que, imaginamos, é sempre algo a ser evitado? Padecer tem a ver com o que sentimos, com a presença em nós de alguma coisa sobre a qual não temos autoria ou mando, alguma coisa a que, talvez, pertençamos. Padecimento é a experiência existencial do que nos excede nesse mundo onde o eu, ou os eus, se esforçam por parecerem, sempre, senhores. Se algo se contrapõe ao padecimento, é, de um lado, a resistência a sentir,  insensibilidade, e de outro a sofreguidão para agir. Nesses nossos dias tão avessos à dor, tão sequiosos de divertimento, tão afeitos à distração, tão seduzidos pelas certezas, cabe defender a existência de alguma positividade na experiência do padecimento, que é, entre outras coisas, uma experiência de insuficiência? Não falo do padecimento de ordem social, decorrente da injustiça ou da desigualdade. Esse permanece injustificado e inadmissível. Também não me refiro ao padecimento procurado ou cultivado, com o qual, ilusoriamente, nos protegemos dos combates que a vida solicita.

 

Falo do padecimento como uma virtude, capaz de resistir a essa vontade de não sofrer, esse sabor de estar sempre no comando da vida, essa recomendação para sorrir sempre. Não é difícil ver que há algo de patético na negação continuada do lugar da dor na vida humana. Negações desse tipo, mesmo que ruidosas, não são lá muito convincentes, o que nos obriga a prestar um pouco mais de atenção no lugar do padecimento na existência humana. Há padecimentos que nos humanizam? Voltaremos a isso na próxima coluna.

 

Para conversar na quinzena:

“Quando Deus soprou sobre meu barro para dar-lhe alma, deve ter soprado forte demais. Nunca pude refazer-me desse sopro divino, e continuei sempre oscilante como uma vela a vacilar entre dois mundos”. (Marie Noel)

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola