Ideias são quase tudo o que temos para lidar com a realidade. Diferentemente de outras espécies, sempre socorridas pelos instintos, nós, os humanos, fomos expatriados,  despossuídos dessa cola com a existência que parece tão abundantemente distribuída pelas outras espécies. Sem o amparo dos instintos, as ideias, esse acervo simbólico que não cessa de crescer, são nossas tentativas de aproximação da realidade. Indicam a esperança de atravessar a opacidade das coisas, de saciar nossa sede de compreensão, de abrandar o enigma que pesa sobre nós. Toda a cultura – das ciências às artes, da filosofia à tecnologia, da religião aos costumes, das múltiplas faces do trabalho aos rituais do lazer – são outras tantas tentativas de interpretar o nosso entorno de modo a que o deserto diminua e que a hostilidade seja abrandada.

Mas não é tarefa fácil essa nossa. Daí que, compreensivelmente, encantados com nossas ideias, nos esqueçamos de que são ideias e passamos a tomá-las por aquilo que elas não são, a realidade. Essa é sempre mais rica, mais arguta, mais cheia de reentrâncias do que gostaríamos. Ora, tomar nossas ideias pela realidade, tomar nossas representações pelo real, tem, por princípio, a amarga conseqüência de ver as  ideias alheias, naturalmente distintas das nossas, como erros imperdoáveis, interesses inconfessados ou coisa ainda pior. Do fato de nenhuma ideia esgotar o que ela visa, a realidade, não devemos deduzir sejam todas equivalente. Pelo contrário, nem todas têm o mesmo valor.. Não cabe aqui nenhum relativismo, que, aliás, rapidamente se degenera em desinteresse pela diferença.

 

Não dá para ser assim. Ideias são provisórias, tentativas humanas de compreender o que há de compreensível no mundo. Portanto, devíamos esperar de nós, os que se interessam pelas ideias, uma conduta mais modesta, mais capaz de aprender com quem pensa diversamente. Deveríamos apreciar um pouco mais o dissenso. Dissentir significa que, mesmo discordando, respeitamos o nosso oponente e nos sentamos à mesa com ele. Preferir, ao invés do dissenso ativo, a indiferença disfarçada de tolerância ou a beligerância furiosa revela, quase sempre, nossas dificuldades com a finitude que, inevitavelmente, nos habita.

 

Talvez seja proveitoso pensar um pouco sobre isso nesses dias que nos separam de mais uma eleição presidencial.         

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola de BH