Palavras são tentativas de despertar o mundo, de trazer à tona o que, até então, jazia escondido, à maneira de um tesouro. Nomeando, somos um pouco mais capazes de compreender, mesmo sabendo que toda nomeação envolve uma exclusão, assim como toda luz lança sombras. Se, inconformados com as limitações da linguagem, desistíssemos das palavras, até a experiência do silêncio, perdendo o contraste, ficaria prejudicada. Entretanto, nenhuma palavra esgota o que ela procura significar, toda palavra deixa um resto, um espaço, que serão ocupados por novas palavras que, por sua vez, gerarão novos restos. Com isso em vista, é sempre um desafio identificar aqui e ali os restos deixados pelas nossas palavras, que permanecem à espera de novas nomeações.  A título de um exercício, que você, cara leitora, caro leitor, pode continuar, vamos apontar um e outro exemplos. Que nome dar a essa melancolia que, sem deixar de ser triste, é quase alegre? E à solidão quando, ao invés de nos isolar, é concorrida? E a esses silêncios eloqüentes que, uma e outra vez, surpreendemos num olhar? E a essa insuficiência feliz que se segue ao amor consumado?

 

 

Camões já falava desse excesso que relativiza nossas palavras, dessa nascente de onde brota a linguagem. Com ele aprendemos que, à espera de um nome,  há uma ferida que dói e não se sente, uma dor que desatina sem doer, um contentamento descontente e uma lealdade com quem nos mata.          

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola

30.11.20