Se falamos tanto de ética é porque, na prática, ela se tornou rara. Estivesse mais presente, não falaríamos tanto. É o que corre por aí. Pode ser, o que não quer dizer que se silenciássemos a ética estaria de volta. Não, é preciso discutir, clarear, debater. Não é exagero dizer que onde houver vida humana haverá uma dimensão ética. Ética tem a ver com valores, com o que vale, com o que nos guia, já que do nosso acervo instintivo recebemos apenas uma meia instrução. A esse quase silêncio da natureza em nós, acrescentamos o que defendemos, o que acreditamos, o que consideramos que torna a vida digna, valiosa, e, na medida do que for possível, feliz. Ética brota da liberdade, esse intervalo, essa incerteza onde nos constituímos através de nossas ações. E chamamos de ação aquilo que, tendo feito, poderíamos não fazer. Ou tendo optado por não fazer, poderíamos ter feito. Supressa essa dimensão e aceita a postulação de que somos determinados inequivocamente por algum fator, já não cabe falar em vida ética.

 

Nesse sentido, apenas nós, os humanos, agimos, apenas de nós pode ser cobrada responsabilidade. Responsabilizar a natureza pela ocorrência de tsunamis ou culpar a vaca do vizinho pela destruição da nossa horta é mera tolice. Ao contrário, cabe a nós seja cercar melhor a horta, seja reconhecer o vínculo entre nossas ações e o que se passa na natureza.  Se agimos e nossas ações estão ligadas a valores, mesmo que isso nos passe despercebido, vale a pena que nos dediquemos a explicitar valores, os  que defendemos e os defendidos pelos nossos opositores. Já é um bom começo notar a existência de valores ali onde os acontecimentos pareciam decorrer de um destino. Mas valores são tudo? A adesão a valores, mesmo os valores que reconhecemos como justos ou sempre preferíveis, é tudo? Talvez não, mas isso já é assunto para a próxima coluna.

 

Ricardo Fenati

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