Como é sabido e, mais do que sabido, sentido, os tempos andam bicudos. Não se trata apenas da violência explícita de cada dia, mas também da violência invisível, a dos pequenos gestos e da indelicadeza generalizada, a violência excessiva, gratuita, que todos nós, sem perceber, cometemos. Diante desse quadro, o retorno da valorização da família enquanto refúgio material e psíquico é mais do que compreensível. Na família, tratamos e somos tratados com mais condescendência, nossas faltas são mais ignoradas, somos mais pacientes do que de hábito e nossa cotação é sempre superior a que encontramos cá fora.
Bem sei que não é sempre assim, mas, não importa, é essa a imagem responsável pelo lugar de honra ocupado pela família nas pesquisas sobre as instituições merecedoras de confiança em nossa sociedade. Mas para além da eventual incorreção desta imagem, vale a pena meditar sobre o papel do receio nesta corrida, mais do que compreensível, em direção à família. Talvez haja aí menos uma decisão esclarecida e mais uma capitulação. Entretanto, o preço cobrado pela proteção decorrente do medo costuma ser alto e só pode ser pago com a cessão da liberdade. E, destituídas de liberdade, nossas escolhas terão, sempre, um fôlego tão curto quanto contraditório.
Talvez seja melhor não cedermos tão facilmente ao receio e, ao invés de encurtar tão abruptamente o nosso espaço de convivência, devamos retomar a busca de ligações mais amplas, distanciadas da facilidade do contato familiar e capazes de favorecer a construção de relações diversificadas e humanamente mais generosas. Somos feitos para a convivência, para a vida enriquecida da polis, para aprender com os que diferem de nós. Restritos apenas ao que nos é familiar, estaríamos, afinal, privados de muito do que poderíamos ser. .
Para pensar na quinzena:
“Quem habita este planeta não é o Homem, mas os homens. A pluralidade é a lei da Terra (Hannah Arendt)
Ricardo Fenati
30.03.2012