Talvez estejamos mais habituados a procurar nossa humanidade, o melhor de nós, nas grandes realizações, na criação artística, nos gestos de justiça, no exercício da bondade, na disposição amorosa, na celebração da alegria e no gosto pela verdade. E é bom que seja assim, cada uma dessas experiências registra uma vitória, uma superação, mesmo que provisórias, mesmo que devam ser reiteradas muitas vezes, diante daquilo que nos avilta e que se volta contra nós. Não apenas no sentido de que devemos resistir ao que, vamos dizer assim, vem de fora, do mundo à nossa volta, mas também do que brota em nós, que, às vezes, somos, paradoxalmente, o adversário contra quem cabe lutar.
Se isso é importante, e ao meu juízo é, não devemos nos esquecer de que há um outro lugar onde nossa humanidade está presente, o lugar da fragilidade. Há uma fragilidade que se pode chamar de objetiva, a que vem da progressiva debilitação do nosso corpo, a que é trazida, inesperadamente, por uma doença, a que, podendo ser minorada, não pode ser afastada. A essa dimensão objetiva, se associa uma outra dimensão, desta vez, existencial e, um pouco além, espiritual. Fragilidade aqui é o reconhecimento do limite humano, a percepção de que nossa segurança tem contornos mais estreitos, o que nos obriga a que recuemos das nossas ilusões de que os riscos não estão presentes. Ora, é desistindo de ultrapassar o que não pode ser ultrapassado, que abrimos em nós um espaço vazio, um quase não-ser, e é daí, desse esvaziamento que se abre o horizonte da transcendência. Aqui já somos agentes, nos tornamos pacientes, à espera cuidadosa e à escuta atenta do que nossa impotência trará. E, assim, nesta hora, somos, no que temos de mais íntimo, uma peleja, essa que nos convoca a dispor do que pensávamos ter e voltar nosso olhar para os sinais, ora tênues, ora mais intensos, daquilo que a esperança anuncia.
Ricardo Fenati
26.04.23