A metáfora da vida humana como uma peregrinação de um lugar onde estamos para onde um desejo, arraigado e enigmático, nos atrai, é antiga e presente nas mais diversas culturas, objeto de inúmeras narrações. E talvez a dor do nosso tempo tenha a ver justamente com a ausência de narrações que iluminem essa peregrinação e impeçam assim que o inevitável sofrimento se transforme num desespero silencioso. Uma narração conta uma história de alguém que é deslocado de onde está, sabe-se lá porque, e que é impelido a caminhar. A cada passo no caminho um antigo hábito é abandonado, um olhar revela seus limites, um gesto perde sua importância. Se é inevitável a solidão, já que a caminhada é singular, conta-se com sinais, quase sempre sussurrados, que dizem que devemos continuar, que o silêncio à nossa volta tem lá seu significado, que tudo espera que prossigamos e que somos aguardados. E assim, nós, os que estamos à escuta da narrativa, percebemos que não se trata de uma narrativa de um outro, mas que somos nós o peregrino, que essa viagem é a nossa, a da condição humana.  Mitos os mais diversos, assim como as histórias que contamos às nossas crianças e, de modo ainda mais intenso, as religiões, são narrativas. Costumamos chamar de objetivo o que é mais fácil de compreender e de compartilhamento mais direto, que parece estar mais diante de nós. Engano, isso é apenas um primeiro exercício da compreensão, que indica mais nossos limites do que a realidade, mais o que adicionamos à realidade do que propriamente o que a constitui e chega até nós como doação absoluta. Narrativas mergulham em águas mais aquietadas, mais aprofundadas. Por isso mesmo, no exato sentido da palavra, mais objetivas, mais próximas do real, mais generosas para com o peregrino que todos somos.

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola

05.11.2025