A controvérsia em torno do presente oferecido pelo presidente da Bolívia ao papa Francisco, a crucificação de Jesus associada à foice e ao martelo, símbolos comunistas, indica, uma vez mais, nossa dificuldade com o debate e, de uma forma geral, com a vida das idéias. Duas posições de imediato, como de sempre, se acotovelaram, pretendendo, ambas, esgotar o problema: os que celebraram a crítica ao capitalismo presente no excepcional discurso do papa Francisco na Bolívia e os que viram no gesto do presidente um absurdo e inaceitável desconhecimento da reiterada perseguição aos cristãos nos regimes comunistas. Num e noutro caso perdemos a oportunidade de uma discussão. Que a Igreja católica deva, sempre, estar envolvida com a defesa da igualdade e da justiça é, ou deveria ser, indisputado. Que ideais de inspiração materialista são incompatíveis com a perspectiva cristã é, de igual modo, evidente. Escorregar para a defesa do capitalismo tal como o conhecemos ou esperar da alternativa comunista a solução da desigualdade são duas formas de desconhecer a história contemporânea. O que nos sobra, por ora? Acho que nos ajudaria examinar a possível originalidade/consistência da crítica cristã ao capitalismo. O cristianismo, católico ou não, tem recursos suficientes para intervir no debate público? A crise que enfrentamos exige que a análise vá além da dimensão econômica? Estamos mesmo diante de um crise civilizacional, que não tem como ser superada sem o surgimento de alternativas até aqui desconhecidas? As ideias com as quais, a partir da modernidade, lidamos com a natureza começam a se encaminhar para o seu ocaso. Não deve se passar algo de semelhante no campo das ideias com as quais nos debruçamos sobre a história humana? Não há, também aí,  uma escuta a ser feita,  um rumor a ser ouvido?  Diante disso, não há porque não saudar um papa que sugere ao cristianismo voltar o seu rosto para o presente, de modo que haja, para todos nós, um futuro.  Chesterton, falando sobre cristianismo e cultura, lembrava que uma época é salva pelo santo que a contradiz. Talvez ele tenha razão.  
 
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola 15.07.2015