Estou às voltas com a leitura do Diário de Etty Hillesum, na edição da portuguesa Assírio & Alvim, que cobre os anos de 1941 a 1943. Etty Hillesum é uma mística holandesa, de origem judaica, morta no campo de concentração antes de completar 30 anos, da qual, além do Diário, foram publicadas, pela mesma editora, inúmeras cartas, datadas do mesmo período. O Diário é a história da estonteante presença de Deus numa vida, e numa época, vitimadas por uma perversidade que não conheceu limites. Não é, mesmo, uma leitura que se possa deixar de fazer.

 

Longe de recorrer a Deus como uma explicação sempre à mão, em Etty Hillesum Deus é uma provocação, uma interrogação que é incessantemente dirigida a nós e que nos cabe, se desejarmos permanecer humanos, escutar, perscrutar. Mas é preciso saber se merecemos Deus, um merecimento que não é da ordem da moral, da servidão a um conjunto específico de regras, ou da nossa argúcia conceitual.

 

Deus é, a todo tempo, um excesso, do qual só nos aproximamos na medida em que formos capazes de aceitar o que em nós também é excesso, o que é desconhecido, o que é, como o mistério, terrível e fascinante. Que Deus, para Etty Hillesum, brote no improvável, no inesperado, no quase impossível, indica a Sua desmedida e a extensão do abandono, tantas vezes doloroso, que de nós é esperado. Sem essa acolhida, nos faltaria o merecimento.

 

Para pensar na quinzena:

 

“E assim é a vida: um caminhar de um momento de redenção para o outro... às vezes uma pessoa brada pela redenção, sem que interesse a forma”. (Etty Hillesum)   

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola de BH