A coluna anterior, partindo do reconhecimento da diversidade, versava sobre a possibilidade da escuta mútua das diferenças e defendia o princípio da aproximação cuidadosa entre povos e tradições distintas, todos irmanados na mesma condição humana. Como exemplo dessa possibilidade, segue uma oração originária da cultura esquimó, distanciada de nós, mas na qual, com facilidade, nos reconhecemos.
“Sim, eu creio em um ser poderoso que chamamos Hila.
Não podemos, porém, explicá-lo com palavras ordinárias.
Ele é um espírito poderoso,
que guarda o universo,
regula as estações do ano
e mesmo toda a vida do homem.
Ele é tão grande que sua palavra não pode ser ouvida
de maneira ordinária.
Ele fala pelas tempestades,
pelas nevascas,
pelos furacões dos mares,
por todas as forças que intimidam o homem.
Mas ele tem também outra maneira de revelar-se.
Ele se manifesta no tempo ensolarado,
pela calma do mar,
ou então pelas crianças inocentes,
que brincam na neve.
As crianças entendem sua voz doce e familiar,
como a voz de uma mulher...
A mãe fala sussurrando, tão amavelmente,
que a criança não tem medo.
Assim fala Hila às crianças.
Voltando para casa, elas falam simplesmente
o que ouviram.
Então o feiticeiro interpreta, para nós,
suas palavras.
Quando tudo vai bem, Hila não fala aos homens.
Ele desaparece no Infinito e permanece escondido,
enquanto os homens respeitam a vida
e não abusam do alimento cotidiano.
Ninguém viu Hila!
Sua morada é misteriosa.
Ele está, ao mesmo tempo,
longe e perto de nós.
(In Muraro, R. e Cintra, Frei R., As mais belas orações de todos os tempos. Rio de Janeiro, Ed. Rosa dos Tempos, 1993)
Para pensar na quinzena:
“Ouvir, mais do que estar disposto, é estar exposto” (Santiago Kovadloff)
Ricardo Fenati
Professor de filosofia e membro da equipe do Centro Loyola-BH
15.11.2012