Num volume que recolhe orações do Judaísmo, do Cristianismo e do Islã, os organizadores - Faustino Teixeira e Volney Berkenbrock - lembram que a oração, além de ser uma experiência comum a toda tradição religiosa, é “o oposto da lógica egocêntrica e o do apego, exigindo como condição de sua possibilidade a consciência da finitude e da contingência”. A oração é onde experimentamos o que nos ultrapassa e transcende, seja a nós mesmos, seja ao tempo que nos foi dado viver. 

Esse reconhecimento da presença de uma Alteridade radical, simultaneamente estranha e familiar, é quase sempre acompanhado pelo sentimento de uma insuficiência, de uma falta, revelando assim o limite de um desejo, que oscila sempre entre uma presença e uma ausência. Disso brota a singularidade de muitas orações, em tradições as mais diversas, todas ciosas do lugar de um enigma.        

Isso vale para os cristãos, quando Nicolau de Cusa diz que somos incapazes de dar um nome a Deus, para os islâmicos, quando Rûmi fala que Deus está oculto de nós, embora os céus estejam repletos de Sua luz e para os  judeus, quando na oração de Elias se diz de Deus que é o mais escondido de todos os escondidos. 

Longe de significar impotência ou fracasso, o reconhecimento de que a existência de Deus está para além de todo entendimento e de toda linguagem lembra a todos nós que a oração é, antes de tudo, uma experiência de acolhimento do mistério insondável que nos constitui. O que não é demais lembrar, nesses tempos onde a oração, desastradamente, costuma ser um patético exercício de poder ou a reiteração de um hábito do qual o Sentido já se ausentou. 

Ps. O volume citado é Sede de Deus, dos autores apontados, e editado pela Vozes, em 2002.

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola

14.05.2020