A experiência do silêncio é parte integrante das mais variadas tradições místicas, ocidentais e orientais, mais antigas ou mais próximas de nós. Assinala, como sabemos, os limites da linguagem verbal quando caminhamos para além das áreas mais habituais ou corriqueiras da vida humana. Se muito do que nos rodeia chega até nós através da linguagem, instrumento indispensável de revelação e descoberta, outro tanto permanece à espera da nossa capacidade de acolher, por meios distintos, o que, sem que nos excluir, nos excede. Seja no espaço mais diretamente religioso, seja no espaço laico, o silêncio é uma pausa que, recusando a gula da palavra, busca a compreensão.

 

Nosso tempo, entretanto, resiste ao silêncio e, entre nós, a palavra, ao invés de se constituir como um esforço, mesmo que limitado, de aproximação do real, apresenta-se como uma tentativa, tão freqüente quanto estéril, de escapar do duro trabalho da significação. Falamos em demasia, falamos sem cessar. Imaginamos, ilusoriamente, que a palavra, sem qualquer trabalho, recobre o real e que aquilo que vivemos cabe, sem mais, no campo do discurso. Não importa a experiência, sua estranheza, sua singularidade, sua opacidade. Estamos sempre dispostos a recobri-la com a pressa da palavra, como se significados estivessem à mão, disponíveis para nós. Não estão, a busca do significado é uma luta, a luta com as palavras de que fala o poeta. Mesmo a rara palavra acertada não afasta o sentimento de que o acesso à realidade depende, não poucas vezes, do reconhecimento do que escapa de qualquer palavra, a silenciosa corrente da vida.

 

Para pensar na quinzena:

“A poesia procura manter na palavra a intangível presença do incógnito” (Santiago Kovadloff)

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola

31.10.2013