A extensão e a gravidade do Covid-19 têm provocado análises as mais diversas, que vão desde as complexas considerações provenientes da ciência até, sobretudo entre nós, no Brasil, as associadas às incertezas reiteradas do cenário político. Mais do que isso, a pandemia tem sido um assunto constante e sua sombra está permanentemente estendida sobre nós.
Ainda assim, penso que há o que falar, particularmente dos desafios e das questões que a pandemia coloca para a experiência religiosa em geral e, sobretudo, quando essa experiência é vivida na intimidade de cada um de nós. Com uma evidência pública, absolutamente inédita em nossa época, o Covid-19, expõe o problema da finitude humana. Vivendo numa cultura que preza a distração e o esquecimento, marcada pelo sentimento da crescente onipotência humana, a pandemia, a seu modo, recorda a insuficiência de que somos constituídos. Somos, então, surpreendidos e desalojados pela presença de um traço que transcende lugar e tempo, que coloca a todos nós, os humanos, não importa onde, não importa quando, diante da mesma tarefa, a convivência, tão difícil, com a mortalidade.
Ora, desde sempre a mortalidade esteve presente no coração da experiência religiosa como um traço inseparável da existência humana e, sobretudo, como condição do reconhecimento de uma Alteridade radical. Essa singular passagem entre a finitude que experimentamos e o acolhimento do enigma a que pertencemos assinala a identidade do campo religioso, indica a sua pertinência e seu alcance enquanto leitura da condição humana no que ela tem de mais íntimo.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola