Em cada circunstância histórica, não importa a singularidade do enredo, nos vemos sempre diante do drama que nos constitui, a exigência da decifração do que somos. Essa é uma obra que foi sempre vista como inacabada e, em última instância, a ser realizada na solidão de cada um de nós. O seu percurso é incerto, sujeito a reviravoltas e, muitas vezes, opaco.
Ora, nossas sociedades oferecem, ao que parece, uma contrapartida para tudo isso. A nós, a cada um de nós, é proposta uma regra para uma tal decifração, o estabelecimento de uma meta clara de chegada, uma corrida de acumulação, suscetível de sucesso. Nossas carências são entendidas como objetiváveis e sua satisfação é sempre vista como possível. Podemos ser medidos, compreendidos e classificados – hierarquizados seria uma palavra melhor – de modo que uma espécie de plena transparência funciona como um imenso regulador social.
Outras épocas sempre tiveram em conta o sentimento do limite, a impossibilidade de circunscrever inteiramente a experiência humana, a percepção de uma insuficiência estrutural. Traços para os quais a cultura, na variedade de suas formas, se voltava. E, curiosamente, é desse reconhecimento dos limites que brota, e sempre brotou, a profusão das obras que constitui esse acervo simbólico que chamamos Ocidente, o lar mental a que pertencemos.
Talvez valha a pena investigar, no nosso dia a dia, as repercussões disso que a nossa época parece propor, as vantagens e desvantagens dessa tentativa do completo delineamento da experiência humana.
Para pensar:
Rostos particulares em lugares púbicos
É coisa mais gentil e sensata
Do que, em lugares particulares, rostos públicos. ( W.H. Auden)
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola