Todo criador sabe que na muda, o período anual de troca de penas, os pássaros não cantam. Cai a vestimenta antiga e uma plumagem nova começa a substituí-la. Nesse intervalo é costume que os pássaros, mesmo os que não dispensam os trinados diários, silenciem. Há nisso sabedoria, a de se calar quando alguma coisa se despede e outra começa a despontar. A primeira lição é a do movimento inerente a tudo, do senhorio do tempo, da mudança permanente. Outra lição é a da confiança e da serenidade; confiança no que virá, serenidade diante do que é perdido.

É excessiva a consideração de que isso, de algum modo, se passa com os humanos?  Se não somos socorridos tão imediatamente pela natureza, como os animais, e se em nós está presente um intervalo, um vazio à espera de nossa escolha, alguma semelhança pode ser observada. Também para nós nenhuma roupagem é definitiva, nada nos define de modo absoluto. Profissão, hábitos, costumes, amores, tudo isso resulta de uma escolha, sempre em estado de reafirmação. Toda escolha é uma renúncia e toda renúncia é a escolha do seu contrário. E não se trata apenas, embora isso já seja muito, de revermos nossas escolhas e sim de que, como humanos, estamos diante de um silêncio primordial que nos interroga sem cessar. Esse silêncio, um outro nome para o mistério a que pertencemos, é um horizonte, um mais adiante, que, assinala nosso inacabamento essencial, esse nunca estar pronto.

Os pássaros, esses nossos amigos, contam sempre, após a muda, com uma nova plumagem. É outro o nosso destino, é outro o destino humano. Somos, no nosso mais íntimo, como sementes, que oscilam entre a incerteza e a esperança, dependentes de uma rega continuada, de nós mesmos, daqueles com quem convivemos e do que vem da cultura e da coragem das escolhas. E, por isso mesmo, talvez necessitemos, ainda mais que os pássaros, de algumas das virtudes que fazem frente à ameaça da banalidade: o consentimento com as mudanças necessárias, a confiança, esse outro nome da esperança, e o cultivo, sempre difícil, da serenidade.

Ricardo Fenati

26.08.2025