Essa expressão, pecado, que continua a circular entre nós, ao lado da sua abordagem mais diretamente religiosa, pode ser considerada um lugar de onde a existência humana, sempre paradoxal, ganha alguma visibilidade. São sete os pecados considerados capitais na tradição católica: Inveja, Gula, Ira, Avareza, Luxúria, Preguiça (Acídia, Melancolia) e Orgulho. São mencionados em mais de uma tradição religiosa, e em algumas tradições voltadas para a sabedoria; essa onipresença deve nos lembrar que, para além da diversidade das culturas e das histórias de cada um de nós, estão inscritos na condição humana, da qual pretendem ser uma espécie de mapa. São avessos à vida comunitária, assinalam o desconhecimento de qualquer alteridade e indicam uma voracidade individual ilimitada. A avareza guarda e acumula sem cessar, a inveja visa menos a busca do bem por quem a sente e mais a destruição de quem invejamos, o orgulho nada vê além de si, exigindo uma submissão generalizada.

Apesar de terem em comum um abuso, um deslizamento para além dos limites, uma impaciência que recusa os desafios da autonomia que nos humaniza, há entre eles diferenças que devem merecer nossa atenção.  Há os que parecem não conter qualquer prazer mais direto – Inveja, Ira, Avareza -, há os que, mesmo podendo ser autodestrutivos, envolvem um espaço de prazer legítimo – Gula, Luxúria - , há os que parecem mais simples – Preguiça – e há o que talvez seja o mais grave de todos – Orgulho.  Vou me ater, rapidamente, a um deles, a Luxúria, tradicionalmente visto como o de combate mais difícil, aquele sobre o qual o interdito é mais explícito.

Se o interdito aqui é mais explícito, e é, toda violação parece provir da liberdade, o que tornaria dispensável qualquer reflexão, bastando garantir o direito a quem o reclamar.  Entretanto, nada do que é humano é assim, nada passa sem o registro simbólico. O mesmo desafio presente nos demais pecados aqui está presente e, talvez, em níveis mais profundos. Aqui a luta pela autonomia, a busca de quem somos, a aventura da existência, assume contornos mais dramáticos.

Lidamos com a sexualidade como quem lida com algo que nos é desconhecido e, simultaneamente, familiar. Ora, diante disso, não poucas vezes, o receio nos leva a um esforço de banalização, que parece a muitos a única alternativa diante disto que nos excede e mobiliza sem cessar. Assim, de várias formas, que vão da desatenção à obscenidade, nós a desumanizamos. Não porque a acolhemos, mas porque a condenamos.

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola

26.11.21