Somos peregrinos, viajantes, quem, bem observando, negaria isso? Não obstante, procuramos pousos definitivos a todo tempo. Funções, profissionais ou não, escolhas que supomos mais que definitivas, crenças, tudo parece indicar nossa resistência em admitir a provisoriedade que nos constitui. E é compreensível que assim seja. Se o universo à nossa volta, as outras espécies, a natureza mineral, tudo parece ter seu lugar, como ver mérito nessa figura instável que nos olha, interrogativa, do espelho?
Se mais fixidez é desejável, o que não me parece tão certo assim, é bom lembrar que caminhamos, os que caminham, porque nenhum porto nos parece dispor do que procuramos. Como alguém que, de medidas singulares, nunca encontra a calça que lhe convém. Há os que, lembrando a lenda do gigante Procusto, sugerem que as pernas sejam podadas ou esticadas. Assim, lança-se uma suspeita sobre nossa disposição de prosseguir: não há o que buscamos, buscamos porque não nos contentamos com nossos limites, assim por diante. Mas prosseguimos, temos prosseguido. Teríamos mesmo essa sede, ainda que ela pareça apontar para o desconhecido, se, de algum modo, não tivéssemos conhecimento -por que meios só Deus sabe – do que a saciaria? O desejo, quando vindo das nossas entranhas, nunca foi portador de notícias falsas e é bom lembrar que não raro perdemos o bem por receio de o buscar. Portanto, que os peregrinos – e o peregrino em nós – sejam acolhidos, que a cultura disponha de meios para propiciar, apenas propiciar, que as caminhadas continuem sendo possíveis e sedutoras. Mesmo porque se viajamos é porque somos esperados.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola
21.01.2021