Há palavras que desaparecem, como desaparecem, ou quase, os significados a ela associados e as atitudes a que elas se referem. Reverência é uma delas. Irreverência, seu antônimo, não só é amplamente usada, como é uma dessas palavras carregadas de aprovação. Dizer de um comentário que ele é irreverente ou classificar como irreverente uma conduta é, por si só, um elogio. Quando somos irreverentes, em geral estamos indicando nossa desaprovação de alguma coisa, dizendo que não merece o crédito de que desfruta ou que não tem a importância que julga ter. A irreverência costuma vir acompanhada de alguma espécie de sátira e tendemos a vê-la como um exercício de humor. Está bem que seja assim, há muitas crenças e valores que não fazem justiça à extensão da experiência humana e sua natural diversidade.
Mas isso é tudo? Irreverência não tem a ver, também, com essa disposição tão contemporânea de medir tudo pelo nosso gosto, de reduzir o real ao que nós admitimos como real? Submetidos à tirania de nós mesmos e do nosso interesse mais imediato, não perdemos de vista quaisquer contornos capazes de propiciar seja uma sociabilidade mais generosa, seja a adesão a valores que tornem a existência humana mais enraizada, menos sujeita à pressão dos modismos e das circunstâncias? Contrariamente ao que se costuma pensar, a reverência é o que nos expande para além de nós mesmos, que nos faz ver no universo a que pertencemos, nas comunidades onde vivemos e nos grandes temas que rondam a existência humana uma morada capaz de acolher o rumor do infinito que habita nossa finitude.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola