É amplamente compartilhada a ideia de que vivemos numa sociedade mais e mais secularizada. Secularização, e é assim que, por vezes, ela é  exemplificada, quer dizer rejeição no domínio público de normas provenientes de campos religiosos e/ou  seu endereçamento ao domínio privado . O problema é amplo, mas vou me ater, sem qualquer pretensão de um rigor maior, ao que ocorre quando o campo religioso em questão é o catolicismo. Se prestarmos atenção, não será difícil ver que a demanda da secularização diz respeito, quase sempre, a questões de natureza moral. O direito ao aborto, a admissão da legitimidade das relações homoafetivas, o recurso aos preservativos são vistos como exigências da modernidade, incompreensivelmente ignoradas pela igreja católica. Entram nessa conta, de forma um pouco distinta, o sacerdócio feminino e o celibato sacerdotal. E há, de fato, muito a discutir aí e, quem sabe, a rever. Que as questões relativas à moralidade ganhem essa expressão não é de se espantar, já que faz parte do itinerário da modernidade a progressiva submissão ao julgamento do sujeito das normas que recaem e incidem diretamente sobre sua vida. E, na medida em que essas normas se originavam da religião, a resistência à religião se configura como defesa da liberdade.  E, é fato, não poucas vezes, algumas normas são injusticadamente restritivas da liberdade. Daí que apareçam os que defendem ser o cristianismo solidário de um tempo que já não é o nosso.  Apesar do quadro se apresentar muito mais complexo do que aqui é possível sequer esboçar, há quem se dê por satisfeito com a descrição acima.

            Entretanto, o curioso é que há um outro patrimônio cultural integrante do catolicismo que não vem à tona no debate sobre a secularização. Associado ao cristianismo, que aqui se estende para além do catolicismo, há toda uma dimensão antropológica, toda uma leitura da experiência humana, de sua complexidade e dos dilemas que a envolvem. Insisto, a questão é complexa, e é tratada aqui com a brevidade que as circunstâncias permitem. O cristianismo sempre foi muito sensível, sem que isso signifique a adesão a um pessimismo de base, ao sofrimento humano, sofrimento material e existencial. A mortalidade que nos acompanha, a fragilidade de nossas vidas, a pressão do nosso egoísmo, os paradoxos da sociabilidade e a resistência diante de nossa finitude são traços que o cristianismo nunca perdeu de vista. Por outro lado, a nossa disposição para amar, a nossa coragem para criar, a propensão para a vida comunitária, o sentimento de que de nós se espera um heroísmo cotidiano, a possibilidade de decifrar, ainda que de forma sempre inacabada o mundo à nossa volta e a confiança na presença de uma Alteridade que nos excede, são outros tantos traços do cristianismo, considerados com seriedade ainda maior.

 

            Quando são questões de natureza moral que estão em pauta, temos mais clareza quanto à secularização. Mas quando o nosso olhar recai sobre essa dimensão mais existencial, como se coloca o tema da secularização? A direção é mesma de quando as temáticas eram de natureza moral? Continuaremos a conversa na próxima coluna.

 

(continua...)

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola-BH

01.10.2013