A coluna da quinzena passada abordou o tema da secularização, definida, sem preocupação de um rigor maior, como a rejeição, no domínio público, de normas provenientes dos campos religiosos e/ou seu endereçamento ao domínio privado. Tendo como referência o catolicismo, o texto assinalava que as demandas em favor da secularização ocupam-se, exclusivamente ou quase, de questões de natureza moral. Na medida em que o catolicismo, enquanto leitura ampla da condição humana, ultrapassa de muito o âmbito da moralidade, é todo um patrimônio cultural que permanece submerso no debate sobre a secularização.

 

O catolicismo, e essa observação pode se estender, com algum cuidado, ao cristianismo como um todo, é, antes de tudo, uma antropologia generalizada, uma aproximação corajosa da condição humana, respeitada sua complexidade e seu caráter paradoxal. Com o cristianismo, aprendemos que a fidelidade à humanidade obriga a que reconheçamos os dilemas que a constituem. A fragilidade que acompanha nossas vidas, a finitude que nos envolve, o inescapável sofrimento existencial que nos espreita se ajuntam à nossa disposição para amar, à nossa coragem para criar e ao heroísmo cotidiano que muito justamente se espera de cada um de nós. Somos, é o cristianismo que o diz, esse amálgama de trevas e luz, que, reconhece, à maneira de uma música de fundo, os sinais de uma Alteridade que nos excede e que, longe da certeza, ressoa em nosso desejo mais profundo.

Como os esforços em favor da secularização concentram-se no campo da moralidade, os debates que se ocupam do cristianismo ficam bastante prejudicados. Seria interessante verificar, tendo como referência a riqueza da antropologia associada ao cristianismo, o que pode significar, aqui, secularização. Se é verdade que, no campo da moralidade, não poucas vezes, a secularização pode ser vista como uma defesa da singularidade humana, aqui, no âmbito da antropologia, ela se assemelha, com a mesma freqüência, a um desesperado, e inócuo, esforço para dissolver o enigma de que nós, os humanos, somos feitos e que nos cabe, como tarefa maior, enfrentar.

 

Dessa forma, estamos diante de um cenário intrigante. Se no campo da moral o catolicismo deve responder ao desafio posto pela modernidade, é essa mesma modernidade que, marcada pelo receio diante da dramaticidade do dilema humano, deve suportar a interrogação proveniente da antropologia cristã.  

 

 

Ricardo Fenati

Equipe do Centro Loyola

15.10.2013