A recomendação ao silêncio, ainda que em medida diversa, é parte constitutiva de grande parte de nossas tradições místicas, não importa se ocidentais ou orientais. E se trata de algo compreensível na medida em que a mística lida com um tipo de experiência que, não raras vezes, excede as possibilidades da linguagem e avança em direção a territórios cuja nomeação é sempre precária. E não se trata apenas do campo da mística. Mesmo no cotidiano, horas há que é o silêncio que nos dá acesso ao significado em jogo. Mas como nos assuntos humanos é sempre desejável a prudência, o recurso ao silêncio não deve nos levar à recusa da palavra.
Pode ser que nos ajude uma distinção entre silêncio e silenciamento. Silêncio é reverência diante do mistério, diante do fundo irredutível do real, silenciamento é ocultação, mascaramento, daquilo que pode e tem como ser conhecido e decifrado. Ao capitular diante do que poderia ser conhecido, do que cabe a nós compreender, estreitamos nossa existência. Recusando o exercício da linguagem, permanecemos reféns de nossas primeiras inclinações, sujeitados ao que (e a quem) nos rodeia. A linguagem é o que possibilita ir além do que é imediato e desvendar o que se oculta a um primeiro olhar, ao apetite errático dos nossos interesses.
Faltando a nós, seja como indivíduos, seja como sociedade, esse apreço pela linguagem e por sua capacidade de desvelar o que um primeiro olhar costuma ocultar, é todo um mundo de experiências que, apesar de serem contundentemente reais, permanecerá oculto e, à nossa revelia, incidirá sobre nós.
Portanto, são tempos distintos, ambos com valor, o tempo do silêncio e o tempo da palavra.
Ricardo Fenati
Equipe do Centro Loyola