“O Rimbaud dizia “Je suis un autre” [Eu sou um outro]. Há, em todas as vidas, uma dimensão de alteridade em relação a nós próprios. Não somos apenas uma coisa só. Somos um conjunto de componentes, de desejos, de memórias, de caminhos, de projetos. E é interessante sentir esse lado quase laboratorial da vida interior de cada pessoa. É também assim que me sinto, a habitar o ‘entre’: entre projetos, entre caminhos, entre memórias, entre visões. Não sinto uma falta de unidade. Sinto que aquilo que, aos olhos de outros, pode aparecer como uma dispersão, é a resposta ao apelo polifônico da própria vida. A vida não nos chama de uma maneira só, chama-nos com vozes diferentes que são no fundo a única voz. A escrita é uma espécie de ponte, funciona como uma espécie de resíduo, um lugar, por onde tudo passa e algumas coisas ficam.”
José Tolentino Mendonça