Neste leito de ausência em que me esqueço

desperta o longo rio solitário:

se ele cresce de mim, se dele cresço,

mal sabe o coração desnecessário.

 

O rio corre e vai sem ter começo

nem foz, e o curso, que é constante, é vário.

Vai nas águas levando, involuntário,

luas onde me acordo e me adormeço.

 

Sobre o leito de sal, sou luz e gesso:

duplo espelho — o precário no precário.

Flore um lado de mim? No outro, ao contrário,

de silêncio em silêncio me apodreço.

 

Entre o que é rosa e lodo necessário,

passa um rio sem foz e sem começo.

 

Ferreira Gullar