O CORPO
Nenhum dos dois
nunca soube explicar
— mesmo dez anos depois,
não sabem.
Tampouco tiveram
coragem de olhar
para baixo e ver
o corpo
estatelado
em meio
aos estilhaços.
Ele se mudou, ela ficou
no apartamento-trampolim
conservando por algum tempo
janelas e olhos fechados.
Nas raras vezes
em que se encontram,
quase sempre por acaso,
evitam palavras
ou mesmo olhares
que possam trazer
a dor à tona.
De vez em quando
ainda se lembram,
mas cada vez com menos
nitidez,
daquela tarde
de chuva
em que viram, perplexos,
saltando da janela
para o abismo:
a taça de vinho tinto,
onde boiava,
já morto,
o amor.
Sônia Barros
in Tempo de Dentro [Prêmio Paraná 2017]
Biblioteca Pública do Paraná, Curitiba, 2018