Diretor: Pedro Almodóvar

Espanha – 2011

 

Ah! Almodóvar! Sempre a nos surpreender! À surpresa e ao encantamento com sua obra e seus atores, somam-se a estupefação, a confusão, a raiva, o incômodo: “Pô meu! Mas precisa fazer um filme assim? Que coisa ruim!” Não o filme em si, mas o enredo, ou sei lá o que. O que me dominava era uma sensação do tipo: “E agora? O que faço com tudo o que vi? Aliás, o que foi que eu vi mesmo?!”. Enfim, tentarei apenas levantar alguns pontos para pensarmos juntos:

 

- O filme parece-me uma grande e velada (ou descarada?) crítica à Ciência, a despeito da trama familiar e das vinganças pretendidas. Há uma crítica à Ciência sem Ética, e às suas tentativas de fazer algo além do que já está feito no homem. “A sua pele é mais forte e resistente que a pele normal”, assim diz Robert à Vera. Nossa! É esse o nome do médico? Robert? – sensação estranha de que os nomes dos personagens se me apagaram... Não é à toa! Não há pessoas; há personagens “coisa”, exceto as “cobaias”. Ou serão todos “cobaias” de um tempo e de uma pretensão de vida? Vicente ou Vera... “deveras?!” Não! Vera não é “de veras”, não é “de verdade”!

 

- Gal, mulher de Robert, que se apaixona pelo meio-irmão do marido, sedutor e violento (bom... qual deles não é assim?); acidente de carro que queima Gal, mas não o suficiente; experimentos e mais experimentos; a onipotência cega do ambicioso e enlouquecido médico cientista, determinado a “mudar” o que é de cada um; um médico que não é apenas um “cirurgião plástico”; ele é de “plástico” (pois nada sente) e faz “cirurgia: corta e retalha” tudo o que está à sua frente e frustra seus propósitos. Sua filha Norma também é vítima de seus experimentos (ela foi “estuprada” por quem?!), a quem ele aplica os mesmos medicamentos que se vê em seus laboratórios. Não consigo ver semelhança com “Dr. Frankstein” ou “O médico e o monstro”. Robert não tem ideais; ele é “monstro” o tempo todo, a despeito do charme e elegância, a despeito das obras de arte que rodeiam os corredores de sua casa. Ali não há arte; só há traços e corpos que deformados, distanciam-se cada vez mais da velha Espanha da “Maja desnuda”... Será isso o que Almodóvar nos quer mostrar? Uma velada crítica aos tempos atuais? Uma projeção pessimista do que os desmandos do poder do conhecimento e do dinheiro podem trazer? Há um excesso de BMW e de grifes (ver os créditos finais do filme)! Mas o final não vai ser tão pessimista assim; vai nos surpreender...

 

- Indo para o filme: é quando passa a existir outra pessoa dentro da casa (a antiga empregada, que é a mãe de todos!), ou seja, é quando não mais está só, que Vicente-Vera começa a marcar a passagem do tempo e a desenhar o registro de suas emoções; o lápis de maquiar converte-se no lápis que “não maquia” sua história, mas a registra nas paredes e o ajuda a ter senso de realidade (creio que o vi registrar a data de 2012; estaria projetando sua libertação?). E com os livros e os exercícios de yoga, Vicente-Vera busca encontrar o único lugar em que não pode ser invadido e nem violentado, o único lugar em que pode continuar sendo ele mesmo: seu interno.

 

- ao contrário do personagem de “Fala com ela”, que cria e gera vida, aqui Almodóvar nos brinda com a retaliação, com a desconstrução, com o exercício frio e calculado da não humanidade, do uso descontrolado de “pílulas” e “falsas construções”, de cirurgias que não são uma “plástica”, e sim a “plastificação” de uma maneira de viver. No entanto, no final, vemos que “La piel que habito” é única, e não há nenhuma outra pele que se sobreponha à pele-identidade que já habita a pessoa. Somos chamados a lembrar de nós mesmos, por detalhes e canções que em nós ficaram gravados, desde a mais tenra infância, ou mesmo desde os momentos em que uma relação afetiva foi forte e marcante (lembrar da canção que a menina Norma canta, e “desperta” sua mãe Gal). E com a pele que o habita, o filho volta para sua origem, sua mãe e sua história!

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

Psicanalista – Espiritualidade Inaciana-

01.06.2012