“APROXIMAÇÃO”
Diretor: Amos Gitai – “DISengagement”,
Alemanha/Itália/Israel/França, 2007
115 minutos
- Aproximação do que?! Do des-engajamento pode surgir uma aproximação?!
Saio do cinema. Ouço, no carro, a trilha sonora do filme “Bleu”, em que Juliette Binoche faz a esposa do maestro e compositor da sinfonia de comemoração da Unificação da Europa. Um comboio do exército brasileiro para, do meu lado, no sinaleiro. Olho os rapazes da cabine. Penso no quanto nós, brasileiros, estamos distantes de conflitos armados, e não temos a dimensão do que significa a ameaça de não ter, ou ter que perder, a terra em que se assenta os pés. Penso na Unificação da Europa e nos seus quantos e tantos problemas políticos, sociais e econômicos, os quais também não alcanço compreender. E penso na milenar questão belicosa no Oriente Médio. E me entristeço.
Mas, logo me lembro do BEIJO, nas cenas iniciais. A mulher, palestina. O jovem, judeu. De onde você é? Você porta um documento que lhe dá a passagem entre os países? Palestina. Onde está? Judeu. É de onde? O cobrador italiano: mas de onde você é, precisamente? Quando tratam de questões várias, é em inglês. Quando ela diz: “por amor”, o faz em francês. Quando querem falar só entre eles, é em hebraico (?). Qual é a língua que nos cabe falar? Como nos comunicaremos? Entre tantos idiomas sabidos e falados, mostrando o trânsito entre países e línguas, entre ele e ela surge um idioma simples, básico e unificador: o beijo. Quisera fosse possível resolver tantos conflitos entre povos, países, homens e mulheres, com o que nos é tão necessário e imprescindível: o afeto! E por aí seguirá o filme: família, morte, busca, desencontro, reparação, separação, exército, poder, oração, educação, continuidade...
Há um drama de consciência familiar e pessoal, que se entranha num drama maior, de consciência e responsabilidade internacionais, entre povos e nações. Amos Gitai desfila sua sensibilidade, densidade e seriedade à nossa frente. Ele parte do fato real da evacuação dos judeus da Faixa de Gaza, em setembro de 2005, e o entremeia com fatos familiares e pessoais, em que estes são também o pano de fundo do drama político Europa (Ana) e Oriente Médio (Uri). Fritz, o pai falecido de Ana e Uri, deixa planejado não só seu testamento, como também seu funeral. A canção da terra, de Mahler, é a comovente despedida para sempre. O compositor é tcheco, a soprano é estadunidense (Barbara Hendricks), Ana é a filha francesa-judia, Uri é o filho adotivo-judeu que vive e luta por Israel. EUA (Barbara) e Europa (Ana) fazem uma “dança” no velório. Europa (Ana) se insinua para Israel (Uri). O grande professor, que não sabia direito de suas origens, nasceu em 1925, nos EUA, e não quis que sua filha falasse hebraico. O que todos estes pequenos detalhes nos querem dizer, política e socialmente? Mais do que alcanço. Mas, não estão aí à toa. Na periferia de Avignon, há moradores de rua e conflito com a polícia. Imigrantes? Parece. E lá estão eles, no subsolo da “grande velha casa burguesa européia”, a dormir, amontoados, sem identidade, e com a bebida na mão.
Ana tenta deixar sua parte da herança para Uri. Drama de consciência da Europa com Israel/Palestina? Pode ser. Mas, Ana (mulher e continente) terá que se defrontar com a filha que foi gerada, e abandonada, pois ela é herdeira do avô, que a conheceu e adotou. Ana terá que mergulhar na zona de conflito. E vai! Claro que aqui podemos pensar, também, nas marcas que um passado mal encaminhado podem deixar no presente, impedindo um real crescimento de si mesmo (Ana se diz preguiçosa, burra, incapaz), e cobrando, no futuro, reparação e enfrentamento. E Ana quer encontrar sua filha Dana. E Uri a leva para o encontro, mas este terá que ser feito por ela, sozinha. Lindo o enquadre de foto em que Ana está no cais, sozinha, lenço esvoaçante, tendo o casco do navio como fundo. E o carro alemão, Volvo, destruído pelo soldado sem cuidado. Que alusão será essa? Valiosas as cenas do grupo dançando, no deserto. Canto e dança de resistência? A oração e a tradição judaicas, homens e mulheres, no Templo. O exército que avança e a religião que resiste. Grupos que se opõem? As crianças pintam o tronco de árvore seca. A marca dos ancestrais? A beleza do poema que o palestino declama: ... transeuntes entre palavras, saiam daqui... pedras de nossa terra construíram o telhado do céu... Só restam o choro e o abraço: uma aproximação?
Maria Teresa Moreira Rodrigues
Psicanalista - Espiritualidade Inaciana
01.11.2013