Cinema: fonte, expressão e troca de sensibilidade.

“BLUE  JASMINE”

Woody Allen

– EUA. 2013

 

Colhemos o que escolhemos?... Escolhemos o que colhemos?...

Eis aí a questão!

 

 

Saí muito, muito incomodada do filme. Quase que a pensar que não gostara. Mas, conhecendo-me um pouco, sabia que eu estava era visceralmente enjoada com a “comida” que Woody Allen (WA) me (nos) havia colocado goela abaixo. Ele nos apresentou, de forma brilhante, uma personalidade narcísica, Jasmine (J.) (assim como o seu círculo social), brilhantemente interpretada por Cate Blanchet. Isso por si só já era motivo para incômodos, pois são pessoas totalmente voltadas para si mesmas, que geram e provocam incontáveis estragos em seu entorno, sem o menor escrúpulo, e ainda fazendo-se passar por “desentendidas” todo o tempo. É até um processo inconsciente, ok, mas não apenas, pois vimos como várias decisões foram conscientemente tomadas, não só por ela, como por Hal, seumarido. Mas, WA estava nos apresentando muito mais do que isso! Foram precisos alguns dias para que eu digerisse melhor todo o “assistido”. Ali estava uma feroz crítica à alta sociedade capitalista norte-americana, que por tão realista e atual, deixa-nos um gosto amargo na boca, sobretudo porque o mesmo acontece aqui, ao nosso lado, haja vista o escândalo do “mensalão”. Assim sendo, natural sair incomodada do filme! Não estamos apenas frente a uma mulher que precisa se redescobrir, depois de um colapso financeiro e emocional, mas frente a uma representação de classe e de maneira de viver que também vive um colapso, e pode e deveria) acabar perdendo o rumo. A cena final em que J. termina falando sozinha é emblemática. Terminará a classe dominante “falando” sozinha? Quando parece que Hal teria encontrado o amor, e não apenas casos e traições, ele é “morto” (denunciado) pela própria “cobra” (J.) que havia alimentado. E J., não suportando “perder” Hal, perde tudo. E depois, querendo “ganhar tudo”, perde tudo novamente, ao apresentar-se como uma grande mentira, ao futuro marido rico, que por sua vez também a queria transformar na “mulher apresentável de um político”. Ou seja, todos usam todos para seus próprios fins! Um retrato amargo de uma vida que se monta sobre manipulações e abusos.

 

Através das duas irmãs, WA apresenta-nos duas formas antagônicas de escolher (?) viver a vida, e disso colher frutos. Serem irmãs adotivas é um acaso, pois poderia acontecer o mesmo se fossem irmãs biológicas; talvez seja um recurso para salientar as diferenças, sobretudo genéticas. Como elas diziam entre si: os genes de J. eram melhores! E talvez tomando isso como uma verdade, J. arvorou-se ser “rica” e Ginger (G.) tomou-se por “pobre”. Quantas vezes “vestimos” alguma verdade a nosso próprio respeito, e como isso pode determinar tantas situações e experiências em nossas vidas! Precisamos observar como estamos nos “vestindo” na vida! Para o nosso bem e o de quem nos cerca! Enfim... a pensar...

 

De qualquer forma, é como estarmos frente a um time em que há os “ganhadores” e “perdedores”, um de cada lado. WA nos apresentou quadros estereotipados de ambos os lados; estamos com Jasmine x Ginger, Hal x Chitti, New York x San Francisco, endinheirados-elite x imigrantes-latinos, bom gosto-grife x mau gosto-não estilo, mentiras-aparência social x verdades-ingenuidade. De qualquer forma, estamos frente a um quadro real. A mim pareceu que WA nos deixa entredito que “a classe dominante” e/ou “alpinista social” (J. e H.) vai acabar falando sozinha; e que “a classe mais pobre” e/ou “verdade-ingenuidade” (G. e C.) é que vai encontrar seu rumo. É o que vivemos e observamos? Não sei... Embora WA tenha nos trazido temas complexos, densos e profundos, como o escolher o viver e colher frutos, não senti que ele nos ajuda a avançar no tema. Imagine! Mesmo a mim que busco sempre encontrar uma lição! Saí com o gosto amargo do real colocado goela abaixo! Isto pode ser uma lição? Não creio!

 

De qualquer forma, o que muito me comoveu, pois genuíno, foi Jasmine ter desejado que sua mãe lhe tivesse dado o nome da flor que mais gostava! Mas não foi assim em sua vida; Jeanette já nasce com a dor de não existir para sua mãe! Enquanto escrevia, li algo sobre o filme. Aí entendi porque a personagem Jasmine permitiu tão brilhante interpretação!; é a mais densa e complexa, pois inspirada em Blanche, da peça de teatro de Tenessee Williams, Um bonde chamado desejo, que também veio a ser um grande filme. Enfim, o filme de WA vale ser visto, até mesmo para nos levar a rever este outro filme!

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

psicanalista - Espiritualidade Inaciana - Campinas-SP

16.12.2013