Direção: KIM KI-DUK
Coréia do Sul/Japão – 2004
90 min.
Fui dormir sobre as emanações que este filme produzia em mim. Acordei com ele conversando comigo; era imperativo escrever as ideias que me invadiam:
- Há sempre uma casa vazia, ou seja, um lugar, uma situação, uma pessoa, um projeto que pode ser penetrado, conhecido, cuidado. E em cada uma destas casas temos um espaço que é nosso, que em nós está registrado; com ele podemos compartilhar, assim como dele partilhar. É um espaço que, como um retrato, ficou gravado dentro de nós. É nossa experiência que se acumulou, e se faz presente na próxima parada do caminhar, na próxima casa, no próximo encontro.
- Cada casa é um pedaço de nós mesmos que se constrói, reconstrói e se realoca para outros planos, possibilidades, e em nova amplitude e configuração.
- Em cada casa há um novo ritual, um congraçamento diverso, e uma descoberta que se abre.
- Em cada casa sentimentos diferentes são despertados: a mansidão, a espera, a aceitação. A raiva e a agressão também podem aparecer, mas serão aplacadas e embarcadas em direção a outro horizonte e a outra razão de ser e estar nas relações.
- Em algum momento, entre uma casa e outra, também nos defrontamos com nossos enganos e ações destruidoras: de outrem, de nós mesmos, do que esperávamos estar sendo e fazendo. Na verdade, defrontamo-nos com nossos desencontros e intempestividades.
- Até que, em alguma casa, nos vemos frente a frente com a própria morte! Mas, não estaremos sós! Algo que nos é fiel estará ao nosso lado, e nos fará companhia até que o ritual de passagem se complete e a ele nos entreguemos. Descobrimos que o como lidamos com a morte alheia assemelha-se ao nosso trato com nossas "pequenas mortes" de cada dia. E descobrimos quão necessário é sempre o cuidado, o respeito e a dedicação a cada detalhe do cotidiano.
- E aprendemos também que, ainda que não sejamos compreendidos, é necessário persistir, pois no silêncio de nossa consciência e mesmo inconsciência, os fatos e sentimentos falarão mais alto e dirão de nós, mostrando-nos mais do que nossa própria fala revela. E isso que somos é que permanecerá.
- E ainda que nos aprisionem, nossa alma seguirá buscando espaço de expressão. O riso nunca será de escárnio ou de ironia. Será apenas o riso que se esboça na contração dos lábios; sorriso que deixa entrever a existência da vida e da liberdade que persiste e persistirá dentro de nós, sempre e a qualquer tempo, graças a uma dimensão de VIDA que se faz maior em nós mesmos.
- Ainda que a corrupção e a incompreensão nos rodeiem, PERSISTIR é o lema...
- A VERDADE é soberana! E sobreviverá sempre a VERDADE do AMOR e da ENTREGA.
- Sobreviverá a ALEGRIA de ver-nos na luta infinda pela liberdade de SER; a ALEGRIA da resistência para manter a lealdade e a fidelidade a nós mesmos, no mais profundo de nossa necessidade que é o AMOR. O AMOR que sempre e irresistivelmente nos remete ao OUTRO, ao ENCONTRO, à DOAÇÃO e à ENTREGA.
- Sobreviverá a ALEGRIA do "SENTIR E SABOREAR AS COISAS INTERNAMENTE".
- E tudo culminará com a REFEIÇÃO compartilhada e com os CORPOS enlaçados, numa experiência lúdica de TERNURA e ESPERANÇA.
Maria Teresa Moreira Rodrigues
Mora em Campinas, é psicanalista e é da espiritualidade inaciana