“O que é alguém pode saber da vida e da morte, da culpa e do perdão, da dor e da salvação?”, pergunta, irônico, o viúvo Kowalski ao jovem padre de 27 anos, recentemente ordenado, que preside à missa do funeral da esposa.
Com cara de poucos amigos, questionador dos costumes modernos, interpelador, quase grosseiro, solitário, amargo, e que passa o tempo a beber cerveja à entrada da sua casa, falando apenas com a sua cadela e comportando-se de forma racista para os seus vizinhos da etnia Hmong, provenientes do sudeste Asiático. O velho Walt observa com desprezo como a vizinhança onde sempre viveu, em Detroit, EUA, se degradou com a chegada de imigrantes orientais e de bandos de jovens latinos, afro-americanos e asiáticos.
O velho Kowalski vive descontente com o presente, preocupado com o futuro e amarrado a um passado de felicidade com a sua esposa e em que esteve na guerra da Coreia, no início dos anos cinquenta. Do passado resta agora a arma que usou em combate, a medalha que ganhou por matar soldados norte-coreanos e um automóvel Gran Torino, de 1972, da marca Ford, empresa onde trabalhou durante trinta anos. Os espetadores não deverão perder de vista a forte carga simbólica destas três referências.
Aos 78 anos, com uma maturidade pessoal e cinematográfica impressionante, Clint Eastwood é realizador e ator em Gran Torino, oferecendo-nos a sua resposta às perguntas fundamentais colocadas no início, ao narrar um momento da história do velho Kowalski. As respostas só poderão vir da realidade vivida, sofrida, enfrentada: com jovens dos bandos, violentos e prepotentes, com as famílias Hmong, que o desarmam com a sua generosidade e acolhimento, com o tímido jovem Thao, que não sabe como trabalhar e lutar por ele mesmo, com uns filhos casados, que só o procuram quando querem lucrar alguma coisa com ele. Na encruzilhada destas personagens, Kowalski terá de responder com os valores em que acredita, sem deixar de encarar a maldade e a violência do tempo atual, os demónios do passado, as culpas da guerra, a preocupação com um futuro sem esperança para as novas gerações, a defesa da sua dignidade ultrajada, assim como a sua própria vida, que vai chegando ao fim.
Com um pano de fundo que aponta explicitamente para a fé cristã, Gran Torino converte-se numa parábola cinematográfica sobre o mal, a culpa e a redenção, tendo subjacente a figura de Jesus que ensina, com a sua vida, como enfrentar as realidades últimas da existência. Mas o que é impressionante no filme é como o velho renegado Walt Kowalski se pode converter na figura do bom samaritano, do pai misericordioso e do Cordeiro de Deus que se entrega para redimir os oprimidos pelo mal. Quando Gran Torino termina, reconhecemos que o espírito da redenção o toma por inteiro.
Luis Garcia Orso, SJ
Signis/México
In: Signis