Diretor: Roman POLANSKI

França/Alemanha/ Polônia/ Espanha, 2011

 

Por algumas horas, entre quatro paredes, a partir de quatro personagens, é traçado um quadro que expressa o ser humano em suas relações, e implicadas com os quatro cantos do mundo. O filme tem atores norte-americanos, é rodado na França, condição para poder ser dirigido pelo polonês Roman Polanski, tem árabes em seus bastidores (roteiro de Yasmina Reza, filha de iranianos, e produzido por Saïd Ben Saïd, nascido na Tunísia), e ainda traz a África como pano de fundo em seu conteúdo. Ou seja, o filme implica situações que foram ou são vividas, direta ou indiretamente, pessoal e/ou socialmente, por cada um dos que nele trabalharam. E também nas discussões dos casais estão implicadas as lutas entre tribos de jovens, assim como as africanas ou mesmo as tidas como “civilizadas”, quer sejam europeias, americanas ou asiáticas. Observar as referências à arte (pintores como Bacon, Kokoschka e Foujita). O texto é ótimo, os atores estão excelentes, e a ambientação perfeita, inclusive com os espelhos distribuídos decorativamente pela sala, o que nos permite ver todos os atores, enquanto um deles é o centro da cena e da fala.

 

É incrível como desde um argumento bastante delimitado, que foi o encontro de pais para tratar da briga entre seus filhos pré-adolescentes, temos um quadro amplo do ser humano e da sociedade atual. Em algumas horas de conversa e discussão entre os casais, apareceram temas da vida em sociedade e em família, assim como desapareceram todas as aparências e vernizes do convívio social, conjugal e pessoal. Todos foram do politicamente correto ao essencialmente verdadeiro de cada um. A partir de diálogos curtos e extremamente rápidos, vimos quatro perfis de pessoas e de vivência em sociedade, num texto excelente, pois entre piadinhas e farpas, tudo vai sendo revelado, de forma clara e profunda!  E não menos importante: o filme não nos leva a pensar em “certo e errado”, ou mesmo a preferir este ou aquele personagem, pois todos têm o que há em todos nós: a tentativa de acertar, e nossa indefectível capacidade de agredir, de errar e de ser contraditório, e tudo entremeado com sofrimentos e mágoas que se busca esconder e ultrapassar. Embalde! Mas, como o filme tem o tom de comédia, a despeito da seriedade dos conflitos ali envolvidos, e também pela tensão que gera em nós, chegamos a sair dele pensando num chavão: “não se deve meter em briga de criança”. Ok, verdade! Mas, o fato é que estamos profundamente “metidos” em muitas e intrincadas “brigas” de nossa vida interior privada, de casal, de família, social, cultural. E na hora da exaustão e da “bebida” (In vino, veritas), a verdade pessoal emerge...

 

Relembrando algumas cenas (são tantas!), e cada um de vocês terá as próprias. Dois casais bastante diferentes, mas cada um com suas ocupações e tensões, suas fachadas estereotipadas de cultura e bons modos, com a respectiva maneira de defendê-las. Penélope: tem seus ideais, sua luta pela causa dos injustiçados, mas se perde em discursos e lições de comportamento correto, em que controla tudo e todos, inclusive a si mesma, e termina por perder-se em suas próprias mágoas e frustrações. Nancy: mostra-se elegante, educada e contida, mas “vomita tudo” (literalmente), e assim se desencadeia o “vômito” geral. Revolta-se com o mau trato ao hamster e à sua bolsa que, jogada longe, revelou sua “fachada”; no entanto, parece não dar a devida dimensão ao comportamento do filho, ou mesmo ao do marido que defende o lucro da indústria farmacêutica, a despeito do mal gerado pelo medicamento “de ponta”.  Michael: bonachão, submisso à mulher e à mãe, mas sabe agredir e defender-se; genial a agressão via história da “tubulação da caixa de descarga”! Alan: totalmente voltado para si, representa a “prisão ao celular”, que contém toda “sua vida”. Genial ouvir o tema dos telefonemas caminhando em paralelo com o dos casais: tudo é desmando! Mas, no final, o hamster usa seus dentes incisivos para continuar roendo, e as crianças continuam brincando nos parques! Que cada um pense o que lhe aprouver: com ou sem esperança. Fico com a esperança de que também nos habita o Deus da Vida!

 

Maria Teresa Moreira Rodrigues

Psicanalista

15.08.2012