“Parasita”: Vidas a duas velocidades, conflito social, humor e suspense
Melhor filme (primeira distinção para uma obra que não é falada em inglês), melhor realizador, melhor argumento original, melhor filme internacional: foram quatro os Óscares que o filme “Parasitas” ganhou esta noite, afastando das principais categorias “1917”, por muitos apontado como favorito.
A ação do filme dirigido pelo coreano Bong Joon Ho (“Memories of Murder”, “The Host”, “Snowpiercer”, “Okja”) decorre entre dois bairros de Seul, um extremamente rico, o outro miseravelmente pobre, mergulhando o espetador numa capital a duas velocidades, em que a dualidade e o conflito entre as duas categorias sociais são fortemente evidenciados.
Na capital da Coreia do Sul, a família de Ki-taek (pai, mãe, filho, filha) está no desemprego, e sobrevive nos quarteirões pobres da cidade. Um dia o vento da sorte parece soprar para o seu lado, e o filho é recomendado por um amigo para dar explicações particulares de inglês à filha da riquíssima família Park.
A ideia é a de fazer entrar progressivamente os outros três membros da família desfavorecida ao serviço dos Park. As estratégias para este fim haverão de os inserir numa engrenagem infernal no dia em que descobrem o subsolo da mansão.
No argumento em que o humor está presente desde o início do filme, o filho de Ki-taek avança por mundo que lhe é novo, e não perde tempo para nele também fazer entrar a irmã, apresentada como especialista em arte-terapia, o pai, como motorista, e a mãe, como supervisora. Cada um desempenha as suas tarefas como se desde sempre as tivessem exercido, e a família Park está satisfeita com os seus serviços.
A descoberta surpreendente no subsolo da casa vai mudar o rumo da história para o horror e a crueldade. A família de Ki-taek será ultrapassada pela evolução dos acontecimentos, e as suas mentiras voltar-se-ão contra ela. O tom do filme de 2h12 (M/14), que em breve se pode tornar série de televisão, converte-se em suspense e tensão.
Bong Joon Ho (n. 1969), que com este filme já tinha sido distinguido nos prêmios BAFTA (melhor argumento, melhor filme em língua estrangeira) e em Cannes, com a Palma de Ouro (segunda vez nas 92 edições dos Oscares em que houve concordância entre os dois prêmios), entre outros galardões, joga com os nervos e as emoções dos espetadores, propondo comédia, “thriller” e drama, numa narrativa que, segundo as suas palavras, se poderia passar em qualquer parte do mundo.
«Procuro afrontar o tema da sociedade polarizada, dobrada ao capitalismo, precisamente através da rutura dos códigos [cinematográficos] … faço sempre o meu melhor para trair as expetativas do público», assinalou.
«Na sociedade de hoje existe ainda um sistema de castas, ainda que seja invisível aos olhos. Pensamos que as hierarquias sociais pertencem ao passado só porque não as vemos, mas a verdade é que há fronteiras que não podem ser superadas. Mas no filme é impossível separar os bons dos maus, porque os ricos, por exemplo, são pessoas gentis e tudo menos ávidas, como aquelas que, ao contrário, se veem muitas vezes no ecrã. Gostaria, em resumo, que o público pudesse identificar-se com cada uma das personagens em cena», acrescentou Bong Joon Ho.
Entre situações paradoxais e golpes de teatro, “Parasita” surpreende pela capacidade de indagar a realidade contemporânea com rara mestria.
Florence Vallée
In Signis; com Avvenire
Trad. / edição: Rui Jorge Martins em 12.02.2020 no SNPC