“L” de diferença, de Clovis Salgado Gontijo
Concepção da obra
A obra “L” de diferença, de autoria de Clovis Salgado Gontijo, é composta por três contos. Cada um deles aborda um tipo específico de diferença, experimentado por seu protagonista. Tais diferenças fazem com que três jovens, pertencentes a variadas épocas e contextos, sejam alvo de atos de discriminação, bullying e exclusão, perpetrados por seus pares. A incômoda diferença é superada nos três contos por um momento de “graça”, que, embora não permaneça, permite ao leitor – e, em alguns momentos, às personagens – reconsiderar o papel da diferença na constituição da condição humana e de sua subjetividade.
O primeiro conto, intitulado “Algo a menos”, narra a história de Laércio, menino carente da periferia de uma grande cidade brasileira, nascido sem a orelha direita. A diferença de Laércio é acentuada pelo contexto em que o professor-narrador o encontra: um projeto social de educação ecológico-musical dedicado à apreciação auditiva de cantos de pássaros. Graças à contribuição voluntária de renomado cirurgião plástico, Laércio recebe, com entusiasmo, uma orelha. Contudo, a ação não é suficiente para restaurar sua integridade como ser humano. Como muitos garotos de seu bairro, Laércio é aliciado por traficantes locais a fim de atuar como intermediário no tráfico. Após tornar-se viciado em drogas e, assim, dependente dos traficantes, Laércio morre aos 16 anos, vítima de uma overdose de cocaína.
O segundo conto, intitulado “Algo a mais”, faz uma releitura do drama de Laura, protagonista da aclamada peça do dramaturgo norte-americano Tennessee Williams, The Glass Menagerie (traduzida para o português como À margem da vida ou O zoológico de vidro). A história de Laura, moça frágil dependente da mãe e do irmão, é narrada pela Luz, que, além de desempenhar papel fundamental na peça, possui íntima conexão com o tema da graça na tradição filosófica e religiosa ocidental. Laura sofre por ter uma perna mais curta que a outra, exigindo-lhe o uso de uma órtese, “algo a mais” que a identifica com a peça predileta de sua estimada coleção de miniaturas de vidro: o unicórnio. A deficiência de Laura é superada, por alguns momentos, quando, banhada por uma luz encantada, a garota dança com um antigo colega, popular nos tempos de escola. Infelizmente, após um beijo roubado, o jovem revela estar noivo e, assim, o encontro não poderá se repetir. No entanto, um vestígio da breve metamorfose seguirá para sempre impresso no unicórnio, cujo chifre foi acidentalmente quebrado durante a dança.
O terceiro conto, intitulado “Um não-sei-quê”, apresenta a história de Luigi, um jovem paulista solitário de 21 anos. Luigi não possui uma deficiência ou um excesso visível, mas paira a seu redor uma diferença intangível, que por muitas vezes seus antigos colegas quiseram classificar, depreciar e ridicularizar. Seu avô, um imigrante italiano, ofereceu ao neto educação erudita, que contrastava com as referências culturais habitualmente partilhadas pelas crianças e adolescentes de seu meio. Em virtude de seu gosto particular e de seu comportamento introspectivo, a sexualidade de Luigi é posta em questão. O preconceito o impede de ter amigos de sua idade, mas finalmente, numa viagem às montanhas sul-mineiras, Luigi aventa uma possibilidade concreta de amizade, sugerida por uma série de coincidências envolvendo a “cambuquira”, nome tupi dado aos brotos da aboboreira. A amizade vislumbrada é abortada, mas a experiência de Luigi ainda é capaz de florescer e frutificar em direções imprevistas.
A título de conclusão, segue um “Posfácio”, no qual são estabelecidas algumas ligações entre os três contos, suas personagens, seus temas e seu argumento central.
A partir do segundo conto, as personagens dos contos anteriores são recordadas com o objetivo de enfatizar semelhanças e contrastes entre elas e suas respectivas diferenças. Portanto, Laércio é mencionado no segundo conto, enquanto Laércio e Laura são evocados no terceiro. As menções incluem não somente referências aos protagonistas, mas também às personagens secundárias.
Tendo em vista seu tema condutor, a obra foi pensada especialmente para jovens leitores entre 16 e 19 anos. Além de proporcionarem contato literário e poético com o tema da diversidade e do bullying, os contos poderão servir de base para discussões em sala de aula, a partir das reflexões filosóficas, existenciais e espirituais por eles despertadas.
Biografia Clovis Salgado Gontijo
Professor assistente da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE), Clovis Salgado Gontijo possui dupla formação em Música e Filosofia. Mestre em Música pela Texas Christian University (2002) e Doutor em Estética e Teoria da Arte pela Faculdade de Artes da Universidade do Chile (2014), teve sua tese publicada, em versão abreviada, pelas edições Loyola, sob o título Ressonâncias noturnas: do indizível ao inefável (2017). Traduziu e prefaciou o livro A música e o inefável, de Vladimir Jankélévitch, publicado na coleção Signos Música da editora Perspectiva (2018). Contribuiu, ao longo de um ano, para a Revista Família Cristã, com artigos dedicados a possíveis conexões entre arte e espiritualidade, e hoje é um dos líderes do grupo interdisciplinar de pesquisa “Mística e Estética” (FAJE), cadastrado pelo CNPq. Além de seus trabalhos acadêmicos, voltados sobretudo para a Mística, a Filosofia da Música e o pensamento de Vladimir Jankélévitch, procura aplicar seus conhecimentos em projetos ligados à formação de público e à sensibilização estética. “L” de Diferença é seu primeiro livro no campo da ficção.