Nélida Piñon

Editora Record - 2012

 

Lançado em agosto passado deste ano, este é o mais recente livro de Nélida Piñon. Sem a pretensão de ser uma autobiografia, o Livro das Horas não é também um volume de memórias convencionais, mas um conjunto de textos com lembranças de sua vida. A obra começa com as lembranças de sua infância, dos pais. Narra algumas de suas viagens, suas amizades, com destaque a sua amiga Clarice Lispector. Aborda temas que marcaram sua vida com grande sensibilidade e simplicidade na escrita.

 

"A sensação que tenho é de que vivi várias vidas", assegurou Nélida em uma entrevista publicada para promover o lançamento de sua nova obra. A escritora ainda acrescenta que o nome da obra faz referência aos livros de orações da Idade Média, que eram divididos em horas. Mas, segundo a própria escritora, trata-se de uma obra cujo gênero é difícil de se definir. "É uma confluência de gêneros. Tem uma visão poética da realidade, uma análise da sociedade com fatos, histórias, memórias pessoais e alheias... É uma espécie de viagem à realidade", afirmou Nélida na mesma entrevista.

 

O Livro das Horas é um livro que revela o grande amor de Nélida pela Palavra. Ela que foi a primeira mulher a assumir a Presidência da Academia Brasileira de Letras.

 

Abaixo um trecho da obra, uma memória de natal:

 

“A noite natalina emociona-me. Impõe-me uma ordem de grandeza que consolida rituais que encerram em si pungente mensagem. Agasalhada por seus símbolos, invade-me o sentimento nascido da maturidade que se confunde com a alegria.

 

Hoje, embora sejamos menos em torno da mesa enfeitada, o mistério que advém desta noite anuncia que, além de me ocupar dos vivos, relembro os que se foram. Falo das vezes em que, reunidos na casa da avó, vangloriávamos a vida, ríamos, éramos amorosos.

 

Não faz falta pronunciar-lhes os nomes em voz alta. Meus lábios os mencionam com unção. Eles edificaram quem sou. Dependi sempre dos afetos para desfrutar dos grãos de bem-aventurança. Mas quando alguém afasta, ou se despede, retiro discreta seu lugar à mesa, privo-o do vinho, das iguarias, dos pratos, talheres, copos. Sob guarda da brisa vinda da Lagoa, o bairro onde plantei âncora e lar, a memória deles perdura.

 

... Reajo a estas considerações, quero salvar-me. O coração meu lateja, goteja sangue, ri. Sobram-me forças para afugentar o que impede o bem-estar dos meus dias. Assim, esta noite é o presépio que aguarda a vida dos reis magos. Qual dos três, Baltazar, Belchior, Gaspar, se baterá por mim?

 

Levo as iguarias à mesa. O peru assado, galardoado de frutas, e aos fios de ovos. E, ao lado dos que me ensinaram a amar, celebrarei o estranho gosto de ser feliz.”

 

In: O Livro das Horas. Editora Recorda, 2012, pág.107 a 109.

 

 

Equipe do site

15.12.2012