O Papa Francisco inicia o Capítulo VI da Encíclica Laudato Si´, com uma lapidar afirmação: “antes de tudo é a humanidade que precisa mudar”, pois “falta a consciência duma origem comum, duma recíproca pertença e dum futuro partilhado por todos.” (nº 202) E prognostica: “Esta consciência basilar permitira o desenvolvimento de novas convicções, atitudes e estilos de vida” (nº 202). O desafio é definido então como “cultural, espiritual e educativo e implicará longos processos de regeneração.” (nº 202) Neste sentido, o Santo Padre aponta alguns caminhos práticos que podem ajudar a (re)estabelecer a aliança entre Criador e criatura e a harmonia entre todo ser criado.
O Pontífice insiste na busca por um novo estilo de vida, que seja capaz de resistir ao condicionalismo psicológico e social que é imposto pelo mercado de consumo e onde os consumidores possam exercer sua responsabilidade social. É necessário uma nova educação ambiental, onde se inclua uma crítica aos “mitos” da modernidade baseados na razão instrumental (individualismo, progresso ilimitado, concorrência, consumismo, mercado sem regras) e venha a recuperar “os distintos níveis de equilíbrio ecológico: o interior consigo mesmo, o solidário com os outros, o natural com todos os seres vivos, o espiritual com Deus.” (nº 210) Esta nova educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos e hábitos diários, que terão incidência direta e importante no cuidado do meio ambiente. Uma educação onde seja difundido um novo modelo relativo ao ser humano, à vida, à sociedade e à relação com a natureza, em contraposição ao modelo consumista, transmitido pelos meios de comunicação social e através dos mecanismos eficazes do mercado.
Neste sentido, o Papa Francisco propõe-nos uma verdadeira e profunda conversão ecológica. A conversão ecológica, para ser duradoura, tem de ser não somente individual, mas também comunitária. A conversão comunitária rompe com uma consciência isolada, com o individualismo e a autorreferencialidade nos quais consolidam a submissão ao consumismo e ao paradigma tecno-econômico por impedirem que se saia de si em direção ao outro. Este sair de si seria o passo inicial para a conversão, sair da individualidade imposta pelo paradigma tecnocrático e econômico e pelo antropocentrismo conveniente ao mercado e ao lucro. Um estilo de vida mais ecológico para a vivência diária do cristão implica transformações e rupturas, inicialmente com o consumismo e com o desperdício.
Dessa forma, poderíamos dizer que a conversão ecológica, na realidade, se trata de uma reconversão, ou seja, um chamado, para que os cristãos redirecionem suas vidas já marcadas pelo sinal divino para viverem “a vocação dos guardiões da obra de Deus” (nº 217). A Igreja aprimorou a Teologia da Criação e nela encontrou uma chave para que o discurso ambiental, que atravessa o planeta e seus habitantes, possibilitasse a convocação de seus fiéis a uma reconversão. Em termos de reconciliação com a criação “devemos examinar as nossas vidas e reconhecer de que modo ofendemos a criação de Deus com as nossas ações e com nossa incapacidade de agir.” (nº 218) Na Teologia da Criação, este pensar teológico encontra-se nos dois primeiros capítulos do livro do Gênesis e na literatura sapiencial, onde nos apresenta um Deus amoroso que cria todas as coisas, possibilitando o seu crescimento e desenvolvimento. Tendo criado o ser humano, o homem e a mulher, à sua imagem e semelhança, confere-lhe a tarefa de cuidar do jardim e a responsabilidade de administrar e zelar, a fim de dar continuidade à sua obra criadora. Isso significa que o ser humano deverá fazer toda a sua tarefa seguindo os mesmos princípios usados pelo criador: cuidar da casa que lhe foi confiada.
Os cristãos, ao se converterem ecologicamente, devem deixar emergir nas relações com o mundo que os rodeia, todas as consequências do encontro com Jesus que, pelo mistério da Encarnação, assume a carne humana num processo de comunhão. Desta forma, nada mais é estranho ao reino de Deus e à natureza. Tudo está envolvido pela salvação que Jesus veio trazer. É missão de cada ser humano trabalhar por esta comunhão intrínseca entre o Criador e os seres criados. Segundo o teólogo alemão Jürgen Moltmann, a comunhão é a correlação entre a criatura e o Criador:
Se a pessoa reconhece o mundo como criação, então ela experimenta a existência de uma Comunhão da criação e toma parte nela. A Comunhão da criação transforma-se, então, num diálogo perante o criador comum. O reconhecimento do mundo como criação é, na sua forma original, o agradecimento pela dádiva da criação e da comunhão nela e do louvor exaltante do criador.
Nesta comunhão universal entre todos os seres, o Papa Francisco convida-nos a promover a alegria e a paz refletidas no retorno à simplicidade que, permite saborear pequenas coisas, agradecer pelo que se tem, sem apego, e não lamentar por aquilo que não se possui. Uma vida simples, onde se encontre prazer e felicidade em coisas simples, que não se relacionem ao consumo. Uma integridade da vida humana, onde a humildade e a sobriedade estejam sempre presentes.
Por fim, o Santo Padre convoca-nos a uma fraternidade universal, que se expressa no amor civil e político, na responsabilidade para com os outros e para com o mundo, traduzidas em atitudes de bondade e honestidade. O amor social nos planos político, econômico e cultural seria a chave do desenvolvimento autêntico e uma norma constante e suprema do agir. Impulsiona-nos a pensar em grandes estratégias que detenham eficazmente a degradação ambiental e incentivem uma cultura do cuidado que permeie toda a sociedade. Nesse contexto, o Papa destaca as ações comunitárias que intervêm em prol do bem-comum, defendendo o meio ambiente natural e urbano na busca da construção de um mundo melhor.
Desta forma, a esperança futura volta-se para Jesus. A restauração de todas as coisas se dará a partir de Cristo, uma vez que Ele é o Primogênito de toda Criação que reconcilia em si, como que num ponto de atração, todas as coisas do céu e da terra, possibilitando que toda a criação grite as dores de parto à espera ansiosa da vinda do Reino de Deus (Rm 8, 18-25).
Pe. Me. Alexsander Baccarini Pinto
Universidade Católica Portuguesa, Lisboa
25.08.2021
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