Os gregos descreviam a experiência humana partindo de três dimensões. Trata-se de uma visão ancestral, mas que podemos acompanhar ainda. A primeira dimensão seria a da memória (mnemis), que fornece a base primária daquele conhecimento que torna viável a vida. Sem a memória teríamos de reaprender tudo, a cada instante. É por ela, por exemplo, que dormimos e, no dia seguinte, somos capazes de andar, capazes de comer, de reconhecer o mundo a nosso lado, de saber quem somos. Se a todo o momento tivéssemos de perguntar, “como se caminha?”, “como se fala?”, “como se ama?”, a vida emergiria lentíssima e, certamente, muito diversa. Outra dimensão fundamental para os gregos seria a aesthesis, isto é, a percepção sensível do presente. A nossa experiência concretiza-se numa prática sensorial: podemos ver, ouvir, cheirar, tocar, sentir. A vida é tátil, é isto de que nos podemos aproximar, é o que trazemos entre mãos. Mas atenção: a vida não se resume apenas à memória e ao presente que apreendemos com os sentidos. Os antigos nomeavam uma ulterior e necessária dimensão, que chamavam esperança (elpis), explicada como a consciência de que havia um além, um amanhã. A ideia de um futuro foi sempre tida também como determinante, mesmo se para os gregos a esperança era uma coisa na qual não se podia propriamente confiar. Píndaro explicita-o bem quando relata que, no princípio, os deuses colocaram todas as coisas boas para o homem dentro de um vaso e lhe puseram uma tampa, com a proibição de removê-la. Mas o homem avizinhou-se do vaso e destapou-o. Quando fez isso, todas as coisas saíram de repente e o único bem que ficou dentro foi a esperança, a esperança daquelas coisas perdidas.
Creio que daqui se extrai uma dupla conclusão: não podemos viver sem esperança, mas esta não é uma tarefa estável e fácil. Muito pelo contrário. No extraordinário poema que lhe dedicou Charles Péguy (e que Armando Silva Carvalho traduziu magnificamente para a nossa língua) garante-se que a única realidade que deixa o próprio Deus espantado, em relação ao homem, é a esperança: “Não é a fé que me espanta.../ A caridade, diz também Deus, essa não me espanta.../ Mas a esperança, diz Deus, essa sim causa-me espanto./ Essa sim, é digna de espanto./ Que essas pobres crianças vejam como tudo acontece/ E acreditem que amanhã será melhor./ Que elas vejam o que se passa hoje e acreditem/ que amanhã de manhã será melhor./ Isso é espantoso e essa é a maior maravilha da nossa graça./ E isso a mim mesmo me espanta.”
A esperança não é um lenitivo que adormece a dor até que ganhemos coragem para tratar a sério da vida, mas uma força que já hoje nos motiva para a transformação da história. A esperança não é um adiamento, mas um compromisso. Não é uma abstração idealizada, mas um dinamismo concreto, uma laboriosidade, um fazer. Precisamos de uma educação para a esperança.
Sobre o seu significado profundo, e de como se pratica, há aquela história do velho monge que se propunha alcançar o cimo de uma montanha e que, numa das etapas iniciais do caminho, pernoita numa estalagem. O estalajadeiro repara na sua fragilidade e tenta dissuadi-lo, enumerando os perigos que o espreitam, e que certamente acabarão por vencê-lo. O monge, porém, respondeu: “Tenho a certeza de que chegarei lá.” “E como é que um homem fraco como tu pode ter semelhante certeza? Para mais, vem aí um inverno duro.” O ancião retorquiu: “Coloquei lá em cima o meu coração e por isso sei que, mesmo assim inseguros, os meus passos hão de chegar lá.”
Pe. José Tolentino Mendonça
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