Muito já se escreveu, em todas as mídias, sobre o desaparecimento e assassinato do indigenista brasileiro Bruno Pereira e de Dominic (Dom) Philips, jornalista britânico radicado no Brasil em viagem pela Amazônia. Ambos tinham em comum a paixão pela floresta e a dedicação aos povos indígenas. A última vez em que foram vistos foi no último dia 5 de junho. A viagem que deveria durar duas horas, da comunidade de São Rafael a Atalaia do Norte, foi brutalmente interrompida e jamais aportou onde devia.
Dom e Bruno viviam impulsionados pela dedicação à causa que os apaixonava: a floresta e os indígenas. Bruno oferecia sua experiência de indigenista, de profundo conhecedor das etnias e línguas daqueles povos. Dava suporte à União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) em diversos projetos. Era experiente e profundo conhecedor da região, tendo sido Coordenador Regional da Funai de Atalaia do Norte por vários anos. Dom punha à disposição do país que amava e escolhera para viver sua experiência de jornalista colaborador do jornal “The Guardian”. Nos últimos 15 anos, trabalhou em diversos periódicos importantes, sempre com temas ligados ao Brasil. No momento, reunia material para um livro que pretendia escrever sobre meio ambiente. Para isso fazia a viagem, apoiado na experiência de Bruno.
Lamentavelmente o Brasil não devolveu a eles tudo o que deram de si, de suas vidas e energias. Quando as famílias dos dois já não conseguiam contato, a mídia e a opinião pública denunciavam o desaparecimento de ambos, as autoridades brasileiras demoravam a mobilizar-se e davam declarações infelizes ao classificar de “aventura não recomendável” o que era elemento constitutivo de uma paixão: conhecer mais a região, os problemas que sofria, os desafios que apresentava para poder denunciar, noticiar, ajudar. A floresta ameaçada mobilizava Dom e Bruno, mas as autoridades do país que amavam moviam-se lentamente e retardavam as buscas.
Dez dias após a última viagem de Dom e Bruno, confirmou-se a notícia dos bárbaros assassinatos. Dois suspeitos foram presos e um deles levou a Polícia Federal até o local onde a embarcação do indigenista e do repórter foi submersa. Restos humanos foram encontrados e encaminhados à perícia.
Os suspeitos confessaram o crime. O país baixa a cabeça, envergonhado e triste, diante da barbárie perpetrada em seu território. A floresta amazônica, grande tesouro do Brasil, converteu-se em terra de ninguém. Terra sem lei, sem proteção, onde campeia o crime, a violência, a ganância, e os povos indígenas vivem constantemente ameaçados, assim como aqueles que os defendem.
Dom e Bruno entregaram suas vidas por aquilo em que acreditavam e amavam intensamente: a floresta e os indígenas. Seus assassinos querem destruir a floresta e subjugar os indígenas a seus interesses de lucro e ambição. São predadores da natureza e da vida, responsáveis pela tragédia climática que ameaça o mundo inteiro e pela catástrofe ética e política que envolve sombriamente o Brasil, onde 33 milhões passam fome e mais de 600 mil pessoas morreram vítimas da Covid 19, muitas pelo atraso na chegada das vacinas.
Apesar da tristeza pela perda de Dom e Bruno, pode ser consolador o fato de terem representado uma réstea de luz em um país que nos últimos tempos só respira dor e morte. Como eles, existem pessoas que não se conformam com a iniquidade e lutam com todas as forças para transformar a realidade. São combatentes e lutadores impregnados da utopia que dá força a um projeto vital: salvar a vida que pulsa na floresta e também a de seus habitantes. Pertencem à linhagem dos muitos que os precederam na mesma luta sem quartel: Dorothy Stang, Chico Mendes e tantos outros que com eles compartilharam trajetória e destino. Hoje, são luminosa inspiração para os que prosseguem nessa mesma caminhada.
Assim serão recordados Dom e Bruno de agora em diante: como testemunhas. No início do Cristianismo, a palavra mártir equivalia a testemunha. O jornalista britânico e o indigenista brasileiro são testemunhas eloquentes da causa da ecologia e do meio ambiente. A trajetória radical de suas vidas os transformou em mártires da causa ecológica e deve inspirar todos que clamam por uma conversão à causa do planeta, conversão à vida e ao futuro da Terra e da humanidade.
Vítimas da barbárie, da incúria, da violência e da corrupção que imperam no Brasil, são testemunhas veneráveis da luta difícil e necessária pela Amazônia e pelos povos indígenas. Que o testemunho de ambos possa brilhar sempre mais, para que a justiça aconteça e a esperança vença a opressão que pretende esmagar a beleza e a vulnerabilidade da vida.
Maria Clara Lucchetti Bingemer
16.06.22