Muitos de nós passamos grande parte da nossa vida a conduzir. Ora a ir, ora no regresso. Ora em viagens de lazer, ora em viagens mais no âmbito profissional. E a verdade é que, no trânsito, parecemos (muitas vezes) pessoas diferentes. É como se o pior de nós viesse ao de cima e nos assaltasse de uma forma grotesca e descontrolada. Tenho dificuldade em compreender que espécie de fenómeno nos destaca tão afincadamente da vida aparentemente calma que levamos para nos atirar para um modo de sobrevivência tão intrincado.
Tenho assistido, tal como tantos de nós, a uma panóplia de violência gratuita, falta de respeito, insultos, manobras perigosas propositadamente operadas para enervar este ou aquele condutor. E apercebo-me de que ninguém está a salvo. É como se, também dentro de um carro, tivéssemos de nos proteger de um perigo sempre iminente onde não há zonas de segurança, cordialidade, empatia e respeito pelas regras e pela conduta exigida a qualquer condutor.
A vida é curta. Num instante perdemos tudo e somos obrigados a restruturar quem somos e o que temos. Compensará viver o dia-a-dia neste registo de violência absurdo? Onde nos leva?
A um lugar leva-nos de certeza: a compreender que a maioria de nós não está a saber lidar com a raiva que traz dentro de si, com a tristeza, com a frustração, com o desânimo e com os desafios intermináveis que todos enfrentamos diariamente.
Aquilo que, talvez, nem todos saibam é que é possível viver uma vida fora do piloto-automático. É possível gerir o que trazemos dentro sem andar a disparar rudeza em todas as direções. E essa gestão, quando aprendida, pode trazer-nos a leveza e a racionalidade que nem sempre temos quando estamos, simplesmente, a sobreviver.
Não desistas de procurar uma forma de dar nome ao que mora dentro de ti.
De integrar o que não gostas. O que não compreendes e o que gostavas que fosse diferente.
Quando assim for, ficaremos todos a ganhar.
Marta Arrais
in: imissio.net 13.11.24