Vivemos (quase) sempre a mil à hora. Acumulamos tarefas, respostas, e-mails, faltas de tempo de vontade. Esperam que consigamos dar tudo, a tempo inteiro. Sem reclamar. Sem caras feias, sem sobrolhos franzidos. O ritmo de tudo é alucinante. As esperas no trânsito são capazes de despertar o pior que há em nós. Atravessa-nos raiva que nem sabíamos que tínhamos. Tudo se acende e quase nunca parece ser luz. Pedimos tempo emprestado ao dia seguinte porque o hoje não nos basta.
A questão é: enquanto vivemos nesta espiral de quase inconsciência, sobra-nos tempo para pensar se estamos a viver como queremos? Se é este o exemplo que queremos dar aos nossos filhos, sobrinhos, afilhados, amigos?
Quando é que nos deixámos enredar nestas ondas de não chegar a lado nenhum?
Algures entre o que gostaríamos de fazer e o que gostaríamos que fizéssemos.
Algures entre a educação pouco emocional que nos deram.
Algures entre a pressa de ter um primeiro emprego, sem saber ainda nada sobre a vida e sobre os outros.
Enquanto as nossas pressas parecem bastar-nos, a vida segue implacável. A semear doenças graves entre os que amamos. A trazer um acidente que muda tudo e que não se esperava. A fazer-nos compreender que até os cenários mais perfeitos têm uma mancha escura ou, até, podre. Que até a nossa paz parece fazer barulho.
Não nos deixemos enganar. A vida não é o que acontece quando cumprimos prazos. Quando não dormimos para atingir este ou aquele objetivo. A vida é o que nos guarda quando as tempestades são muitas. A vida é aquele mergulho no mar que disfarça as lágrimas que não se choraram. É aquele abraço de reencontro no aeroporto. É o cancro que entrou em remissão. É a cura que ninguém esperava. É a chave na porta da casa nova. É o jantar com amigos. A festa de anos de um filho. É a coragem de se viver sempre como se tivéssemos, prometido, o dia de amanhã.