Greta Thunberg. Ahed Tamimi. Yeonmi Park. Malala Yousafzai. O rosto da infância do nosso século tem um pouco do rosto de cada uma dessas meninas. Rosto sério de criança que protesta, presença incômoda em frente ao parlamento, diante do soldado, na travessia do deserto, numa cidade destruída.

Essa infância que agora reclama sua voz não está para brincadeira. O que essas meninas reivindicam não é coisa de criança, é algo mais urgente. Não é espaço para sonhar, é a própria terra. Não são jogos fantásticos da imaginação o que elas querem. É a vida ela mesma, a vida antes de tudo. São medidas concretas para que ainda haja mundo daqui a um século.

Greta falta à escola para protestar em frente ao parlamento sueco. Ela exige dos políticos uma resposta à mudança climática. Nada de discurso nem de promessa. Greta tem pressa, não por ela, mas pela criança que virá depois dela. E esta urgência desde que viu pela primeira vez, na escola, fotos de ursos polares famintos, quando tinha cerca de oito anos de idade. “Por que devemos ir a escola se não há futuro?” – ela pensa. “E por que devemos aprender sobre fatos, se os fatos mais importantes não importam?”. Ao primeiro apelo solitário de Greta, em agosto do ano passado, já se juntaram mais de cem países e um milhão e meio de estudantes.

Ahed, a menina palestina, também protesta. Levanta a voz e a mão para o soldado diante dela. As armas não intimidam Ahed, antes a enfurecem. Aos doze anos ela estapeia um soldado pela primeira vez. Na segunda vez, com dezesseis anos, é presa. Passa oito meses em cativeiro, em Israel, e, quando sai, continua a protestar contra a ocupação com a mesma força felina.

Yeonmi tem treze anos quando foge da Coreia do Norte com sua mãe, pelas mãos de traficantes de gente. Mãe e filha são vendidas a fazendeiros chineses, negociam a vida com o que têm e conseguem atravessar o deserto de Gobi rumo à Mongólia. De lá, partem para a Coreia do Sul. Livre do terror, literalmente desassombrada, Yeonmi agora denuncia publicamente o pesadelo de vigilância e controle mental que sofre quem vive sob o regime da dinastia Kim.

Malala tem doze anos quando aparece na televisão defendendo a educação de meninas no vale do Swat, onde nasceu e vivia com a família, região do Paquistão sob ocupação dos talibãs. Aos quinze anos, é baleada na testa, num ataque dirigido, quando entrava numa van escolar. Transferida para um hospital na Inglaterra, ela se recupera e reaparece tal como a conhecemos hoje, mais jovem Nobel da Paz, com seu lema também mundialmente conhecido, de que “uma criança, um professor, uma caneta e um livro podem mudar o mundo”.

Todas essas meninas fazem uma nova cruzada de crianças. Sobreviveram a zonas profundas de realidade onde não vale a tarja restritiva para menores de dezoito anos. Encararam a guerra, a prostituição em troca da vida, o fechamento de escolas, o silêncio repressivo, o terrorismo. Em algum momento decisivo, desacataram ordens, autoridades, soberanias. Tudo por um mundo que lhes é de direito. Porquanto destruímos, elas vêm se sentar à nossa mesa e tomar parte no debate sobre crimes ditos crises, crise migratória, crise climática, crise dos direitos humanos. E nós lhes devemos ouvidos. Sem falsa complacência. A sério. Nós devemos às crianças o mundo por inteiro e elas vêm nos cobrar agora. Elas são o próprio amanhã nos cobrando enquanto é tempo.

Mariana Ianelli

In: Rubem.wordpress.com 24.08.2019