Em dezembro de 1831, aos 22 anos, o naturalista inglês Charles Darwin zarpou da Inglaterra a bordo do navio Beagle para uma viagem que revolucionaria conceitos científicos e questionaria dogmas religiosos, provocando polêmicas que, até hoje, dividem cientistas e crentes. Darwin defendia, entre outras, a tese de que as espécies mais bem-sucedidas na escala da evolução não são as mais fortes ou mais inteligentes, mas as que melhor conseguem se adaptar a mudanças.
Darwin e suas teorias sempre me encantaram e vejo sinais de suas intuições por toda parte. Como hoje, ao fazer minha caminhada pela orla da Lagoa da Pampulha, ruminando algumas tristezas, ter minha atenção chamada para uma Frango D’Água em seu ninho, construído em meio ao lodo e ao lixo fétidos do nosso cartão postal, tão descuidado.
Mas a vida sempre encontra um jeito...
Os dinossauros eram criaturas poderosas, fisicamente exuberantes e reinaram sobre a terra por milhões de anos. Pois, há aproximadamente 65 milhões de anos eles desapareceram e essa extinção sempre foi um dos mais intrigantes enigmas do planeta. Até hoje os cientistas tentam desvendar esse “quebra-cabeça”. Uma das possibilidades mais plausíveis é de que um enorme meteoro colidiu com a superfície terrestre dando origem a uma cratera de cerca de 200 km de diâmetro, que se encontra na Península de Yucatan, no Golfo do México.
Em virtude da colisão o planeta sofreu grandes transformações, a principal delas foi uma imensa nuvem de poeira que se ergueu até a atmosfera, impedindo a entrada da luz solar na superfície terrestre. A falta de luz gerou quedas repentinas na temperatura. Além disso, muitas plantas morreram pela impossibilidade de fazerem fotossíntese. Os animais que dependiam dessas plantas morreram de fome, o que condenou também os animais que se alimentavam desses herbívoros.
Toda a cadeia alimentar foi comprometida, o que provocou um verdadeiro colapso ambiental e, com ele, foram-se os dinos...
Mas houve sobreviventes. Entre eles provavelmente estavam pequenos mamíferos que continuaram evoluindo e deram nos nossos parentes primatas que são, reconhecidamente, muito inteligentes, assim como os golfinhos e, dizem, até moluscos como o polvo. Uma psicóloga, Jennifer Mather, da Universidade de Lethbridge, no Canadá, estuda polvos desde 1972. Depois de exaustivas pesquisas, ela e sua equipe chegaram à conclusão de que o octópode é uma das criaturas mais inteligentes do planeta (só mesmo canadense pra ser psicólogo de polvo...).
Hoje, os dinossauros viraram astros de Hollywood, os macacos acabaram em zoológicos e vídeos do NatGeo, os golfinhos em aquários de Miami e polvos colocam o povo em polvorosa (desculpem, não resisti) fazendo prognósticos de resultados da Copa.
Restamos nós, os donos do mundo, a espécie mais adaptável do planeta. Seres humanos podem ser encontrados num iglu do Ártico ou numa tenda, no Saara; num seringal da floresta amazônica ou numa aldeia de pescadores nas Ilhas Fiji; fazendo compras na Champs-Élysées, em Paris, ou alugando pé de jabuticaba em Ibirité. Ou seja, somos os reis da adaptação.
Mas, de verdade, para além e acima de nós, a grande adaptadora é a vida em si mesma. Ela sempre encontra um jeito de se perpetuar. Mesmo em condições absurdas, em situações improváveis, a vida, em todas as suas manifestações, resiste, persiste, subsiste.
Em mim, também...
Em horas de desencanto, gosto de lembrar/rezar o último trecho do poema ‘Morte e Vida Severina’, de João Cabral de Melo Neto, para mim, um dos maiores monumentos da literatura poética mundial.
Severino, o retirante, se encontra com Seu José, um carpinteiro, às margens do Rio Capibaribe, no Recife. Severino está vencido pela miséria. A fome o consumiu em sua migração do sertão até o litoral, em busca de uma vida melhor. Na cidade grande, descobre que, na verdade, veio seguindo o próprio enterro. Desesperado, quer atirar-se às águas do rio para dar fim ao seu sofrimento, dizendo:
- Seu José, mestre carpina, que diferença faria se em vez de continuar tomasse a melhor saída: a de saltar, numa noite, fora da ponte e da vida?
De repente, eles são interrompidos pela notícia de que nasceu um menino, filho de seu José. E pelos becos das palafitas, desfila um cortejo que traz nos braços uma criança.
A vida escolheu a vida...
Emocionado, seu José diz ao retirante:
- Severino, retirante, deixe agora que lhe diga: eu não sei bem a resposta da pergunta que fazia, se não vale mais saltar fora da ponte e da vida, nem conheço essa resposta, se quer mesmo que lhe diga. É difícil defender, só com palavras, a vida, ainda mais quando ela é esta que vê, severina.
Mas se responder não pude à pergunta que fazia, ela, a vida, a respondeu com sua presença viva. E não há melhor resposta que o espetáculo da vida; vê-la desfiar seu fio, que também se chama vida, ver a fábrica que ela mesma, teimosamente, se fabrica, vê-la brotar como há pouco em nova vida explodida.
Mesmo quando é assim, pequena a explosão, como a ocorrida, como a de há pouco, franzina...
Mesmo quando é a explosão de uma vida severina...
A vida sempre dá um jeito...
Eduardo Machado
Educador e escritor
In: Blog Sobre todas as coisas - 19/06/2018