Custa-nos muito deixar ir. Encontrar espaço para o vazio que fica depois do que nos deixa. Dos que nos deixam.
Lemos muitas frases e textos sobre o assunto. Quem escreve parece assumir que é a única opção que nos sobra para viver mais em paz e mais feliz. Mas como é que se deixa partir? Como é que se deixa ir, por exemplo, alguém que já não está neste plano terreno? Ou como é que se deixa ir alguém que amávamos e de quem nos tivemos de separar?
A vida não se compadece das linearidades dos livros de autoajuda. Não nos entrega livro de instruções nem manual de procedimentos. Ainda assim, somos chamados a navegar tudo o que nos entrega a cada dia como se soubéssemos tudo. Como se tivéssemos de saber tudo.
Deixar ir não é sobre forçar o processo. Não é sobre um mero desprendimento. Deixar ir é filtrar. É perceber a partir de onde é que eu posso largar um bocadinho deste ou daquele peso para que não seja tão insuportável. Deixar ir não é algo que se possa fazer de um dia para o outro. É um convite a viver de outra maneira. Ter a coragem para olhar, mas sei nos determos profundamente onde já não há espaço para o fruto ou para os frutos.
É sobre perceber que há fragmentos de dor de que podemos abdicar, ainda que não nos seja possível abdicar de tudo. A dor tem um papel relevantíssimo na nossa vida. Traz-nos a consciência de que tudo é um sopro; de que devemos cuidar melhor dos que são nossos e dos que têm fragmentos do nosso coração dentro do seu; de que a presença no aqui e agora nos traz ao único lugar onde podemos estar.
Deixar ir não é coisa que se peça. Ou que se diga a alguém para fazer. É um processo teu. De ti para ti. E ninguém tem nada que ver com isso. Há quem demore uma vida a fazer um luto e há quem se recupere mais rapidamente. Todos os processos são válidos de acordo com a história de cada um.
Deixar ir é coisa para se fazer durante a vida toda. Com a mestria de quem sabe que não sabe nada.
Com a mestria de quem quer entregar-se apesar ao que a vida der apesar do pouco que sabe.
Deixar ir. No tempo de cada um e no tempo que cada um precisar e quiser.
Marta Arrais
In: imissio.net 4.06.2025