Mas o que é a alegria? A alegria é expansão pessoalíssima e profunda. Não há duas alegrias iguais, como não há duas lágrimas ou dois prantos iguais. A alegria é uma gramática singular. Por um lado, tem uma expressão física, mas, por outro, conserva uma natureza evidentemente espiritual. Não se reduz a uma forma de bem-estar ou a um conforto emocional, embora se possa traduzir também dessas maneiras. A alegria é uma revelação da vida profunda. É abrir uma porta, um caminho, um corredor para a passagem do Espírito.
No espaço teológico e eclesial, infelizmente, a alegria tornou-se um motivo tratado com alguma parcimônia. Falamos pouco do Evangelho da Alegria e, entre tudo aquilo que assumimos como dever, como tarefa, raramente ele está. O dever da alegria, estarmos quotidianamente hipotecados à alegria, enviados em nome da alegria, não nos é tantas vezes recordado quanto devia. As nossas liturgias, pregações, catequeses e pastorais abordam a alegria quase com pudor.
Isto para dizer que a alegria tornou-se um tópico mais ou menos marginal, uma espécie de subtema e, por vezes, até uma espécie de interdito. Nietzsche dizia que o cristianismo seria mais credível se os cristãos parecessem alegres. Que fizemos nós do Evangelho da Alegria?
Definimo-nos culturalmente como homo faber, homem artesão, fabricante, aquele que se realiza na própria ação. E distanciamos da nossa própria vida o horizonte do homo festivus, isto é, o que é capaz de celebrar, aquele que conduz a criação à sua plenitude.
A alegria nasce do acolhimento. Nasce quando aceitamos construir a vida numa cultura de hospitalidade. Há um filme de Ingmar Bergman em que uma personagem é uma rapariga anoréxica - e sabemos como a anorexia é uma forma de desistir da própria vida, de desinvestir afetivamente. A moça vai falar com um médico e ele diz-lhe isto, que também vale para todos nós: «Olha há só um remédio para ti, só vejo um caminho: em cada dia deixa-te tocar por alguém ou por alguma coisa». A alegria é esta hospitalidade.
José Tolentino Mendonça
É diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura de Portugal
(Texto publicado in: Agência Ecclesia - 24.09.13)