Época de eleições é tempo de imenso barulho. Falam os candidatos, falam os que apoiam ou os que criticam os candidatos, falam os meios de comunicação, falam os jingles, a internet. Fala Deus e todo mundo, pois a mídia está na rua acompanhando o dia a dia dos candidatos que entre empurrões e abraços são instados a falar tudo que pensam fazer nos próximos anos para salvar o país do abismo em que se encontra mergulhado.

 

E há os debates, onde todos falam para além do tempo que lhes foi pedido e combinado. E falam ao mesmo tempo. E a fala de um atropela a do outro. As falas são agressivas, pois têm que convencer pelo seu muito falar e vencer. E ainda virão os comícios, as carreatas, com música, trio elétrico, microfones e megafones enchendo o espaço público de um grande e ensurdecedor barulho. Na boca da urna haverá militantes esperando-nos com panfletos de última hora, buscando convencer-nos no momento derradeiro.

 

Não sou misantropa ou eremita e longe de mim querer condenar a palavra, indispensável para o fazer político. Tampouco pretendo desqualificar o necessário debate e interlocução que povoam o período pré-eleitoral. Há que falar mesmo, há que discutir, debater, expor pontos de vista. Porém, se a questão é escolher em quem votar responsavelmente, o discernimento é o caminho necessário. E para tanto não é a melhor conduta deixar-se assoberbar e afogar em infinidade de discursos exaltados. Há que escolher a melhor opção entre as que se apresentam, sopesando prós e contras, olhando mais longe que os próprios interesses e pensando no bem comum e no futuro do país. E isto é por demais sério para ser feito se não for alternando silêncio e ruído, silêncio e fala, silêncio e discurso.

 

Não é por nada que ao povo de Israel é recomendado retirar-se para o deserto para aí escutar o silêncio sem outra recreação para os sentidos senão a espera da revelação que virá. Nem é despida de importância a atitude vital de Jesus de Nazaré quando, em meio à febril atividade que constituía sua vida em meio a multidões e andanças pela Palestina, retirava-se no silêncio para ouvir a voz do Pai e conhecer sua vontade.

 Para algo sério como escolher nossos representantes na política que conduzirá o país nos próximos anos, entre eles o primeiro mandatário da nação que é o Presidente da República, faz-se necessário alternar.

 

Mover-se entre a escuta das vozes diversas que lançam informações de todo tipo na rede e nas ruas, e ouvir em silêncio o que nos é inspirado na direção do voto. O que significa para mim o ato de votar? O que estou buscando construir com meu voto? Como este ato tão sério de depositar na urna minha escolha para o futuro do país e das novas gerações pode ser exercido da maneira mais responsável possível?  

 

No silêncio talvez sejamos visitados por inspirações inesperadas e surpreendentes. Buscando ouvir sem interromper, sem gritar nem discutir, talvez brote de nosso interior um caminho ou uma opção que não havíamos antes cogitado. Trata-se de expor-se ao inesperado que será gerado e conduzido ao nível de nossa consciência e influenciará nossa decisão, apontando o caminho.

 

Talvez nos custe e em um primeiro momento o silêncio se deixe sentir como pura privação, carência, tédio. Mas se persistirmos se fará palavra e emergirão as coisas escondidas no fundo de nós mesmos que os muitos ruídos e o falar incessante encobriam. O silêncio é tenso, implacável, decisivo e ilumina nossos medos, nossas motivações não tão retas, nossa liberdade interior não tão despojada. Na luta que provocará em nosso interior, trará à luz as muitas ambiguidades que nos fazem batizar de belos nomes nossas mais obscuras e desordenadas paixões.

 

Fazer silêncio, escutar a ausência de ruídos e esperar pela inspiração que nos moverá na direção da liberdade responsável de escolher um candidato é, no fundo, um ato de coragem. Equivale a afirmar que não somos massa, mas povo com um projeto e uma utopia. Significa pagar o preço de ser livres e não aceitar que escolham por nós, mas escolhermos quem nos fará mais humanos e a nosso povo.

 

Uma vez acontecida a fecundação interior, o silêncio deixa de ser incômoda ausência para revelar-se presença, serena e respeitosa, que discretamente dilata nossos espaços interiores, a fim de que a liberdade se concretize em opção que se inscreve na história como escrita da vida.

 

Enquanto acompanhamos a campanha neste tempo pré-eleitoral, ouçamos os candidatos e suas plataformas. Escutemos atentamente o que têm a propor. Mas saibamos igualmente retirar-nos e fazer silêncio dentro de nós mesmos, para que o que escutamos seja ruminado, digerido, processado e transformado em voto responsável e livre, que elege o que sentimos ser melhor para nossos filhos e netos, a quem devemos um país mais justo e uma nação mais consciente.

 

Esperamos que o que emergirá de nosso silêncio será então a festa do povo celebrando uma vitória serena, madura e alegre, feita de palavra e silêncio, de olhar nos olhos e sorrir alegre e cantar esperançoso na festa cívica do compromisso com a vida para todos.

 

Maria Clara Lucchetti Bingemer

Professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio