As personagens da narrativa (João 1,35-42): um João de olhos penetrantes; dois discípulos maravilhosos, que não estão nem confortáveis nem satisfeitos, à sombra do maior profeta do tempo, mas que se aventuram por caminhos desconhecidos, atrás de um jovem rabi de quem ignoram tudo, exceto uma imagem fulgurante: eis o Cordeiro de Deus!

Uma narrativa que perfuma de liberdade e de coragem, na qual estão encastoadas as primeiras palavras de Jesus: que procurais? Assim ao longo do rio; assim, três anos depois, no jardim: mulher, quem procuras?» Sempre o mesmo verbo, aquele que nos define: somos buscadores do ouro nascidos do sopro do Espírito.

Que procurais? O Mestre começa pondo-se à escuta, não quer nem impor nem doutrinar, serão os dois jovens a ditar a agenda. A pergunta é como um anzol lançado para dentro deles (a forma do ponto de interrogação evoca um anzol revirado), que desce ao íntimo a prender, a mostrar à luz coisas ocultas.

Jesus, com esta pergunta, põe as suas mãos santas no tecido profundo e vivo da pessoa, que é o desejo: o que desejais verdadeiramente?; qual é o vosso desejo mais forte? Palavras que são «como uma mão que toma as entranhas e te faz dar à luz».

Jesus, mestre do desejo, exegeta e intérprete do coração, pergunta a cada um: que fome torna viva a tua vida? De que sonhos caminhas atrás? E não pede renúncias ou sacrifícios, nem imolações sobre o altar do dever, mas reentrar em si, regressar ao coração, olhar para o que acontece no espaço vital, guardar aquilo que se move e germina no íntimo. Pede a cada um, são palavras de S. Bernardo, encosta os lábios à fonte do coração e bebe.

Rabi, onde moras? Vinde e vede. O Mestre mostra-nos que o anúncio cristão, antes de se palavras, é feito de olhares, testemunhos, experiências, encontros, proximidade. Numa palavra, vida. E é isso que Jesus veio trazer, não teorias, mas vida em plenitude (cf. João 10,10).

E vão com Ele: a conversão é deixar a segurança de hoje para o futuro aberto de Jesus; passar de Deus como dever a Deus como desejo e espanto. Milhões de pessoas desejam, sonham poder passar o resto de vida de pijama, no sofá de casa. Talvez isto seja o pior que nos possa acontecer: sentirmo-nos chegados, permanecer imóveis.

Ao contrário, os dois discípulos, aqueles dos primeiros passos cristãos, foram formados, treinados, ensinados por João Batista, o profeta rochoso e selvático, a não parar, a andar e a andar, em busca do êxodo de Deus. Como eles, feliz o homem, feliz a mulher que tem caminhos no coração (cf. Salmo 83,6).

Enzo Bianchi
In Avvenire
Trad.: Rui Jorge Martins
Publicado em 14.01.2021 no SNPC