Sessenta anos de Campanha da Fraternidade (CF)! Criada pela CNBB em 1964, a CF é um apoio aos cristãos para uma reflexão, a partir do Evangelho, sobre problemas que afligem a população: pobreza, meio ambiente, violência, individualismo, trabalho precário, educação, saúde. Como ação evangelizadora da Igreja, todos os batizados são convocados a testemunhar a fé que se expressa no amor aos irmãos. A conversão tem uma dimensão pessoal, comunitária e sociopolítica. A penitência quaresmal deve ser externa e social, não só interna e individual (Sacrosanctum Concilium, 110).

Inspirada na Encíclica do Papa Francisco, Fratelli Tutti (FT), a CF-2024 tem como tema Fraternidade e Amizade social. Vós sois todos irmãos e irmãs (Mt 23, 8). O objetivo é despertar para o valor e a beleza da fraternidade, promovendo e fortalecendo os vínculos da amizade social para que, em Jesus Cristo, a justiça e a paz sejam realidade entre todas as pessoas e povos!

A amizade é a fonte da fraternidade. Dom de Deus, somos criados para a comunhão. A referência da amizade é Jesus Cristo que “nos liberta para amar com justiça” (Rom 6,20). Amizade tem a justiça como princípio: dar ao outro o que é dele por direito. Ou seja, não se reduz a afeto. Nesse sentido, a amizade é a virtude política para a convivência e a paz na sociedade.

Papa Francisco, na Fratelli Tutti (FT), apresenta as bases da fraternidade universal: amizade social, amor político, cultura do encontro. Amizade social significa um grande abraço universal que rompe muros e fronteiras geográficas. Por tanto, para pensar sistemas econômicos e estruturas políticas igualitárias, é preciso substituir o individualismo, o nacionalismo e o fanatismo pelo amor social.

O que aconteceu conosco? O mundo “está desmoronando e talvez se aproximando de um ponto de ruptura” (Laudate Deum, 2). Por que tanto ódio e violência, intolerância e brutalidade? Nessa era da estupidez, a CF de 2024 retoma a pergunta da CF de 1974: Onde está teu irmão? (Gn 4,9). Cinquenta anos depois, o capitalismo intensificou a Síndrome de Caim: egoísmo, obsessão pela prosperidade, pelo consumo, pela fama. A alterofobia – negação da humanidade do outro – está na origem dessa irracionalidade da ditadura do eu. As consequências são inevitáveis: aquecimento global, explosão das desigualdades sociais, concentração da riqueza, violência contra os direitos humanos, banalização do mal, racismo, violência de gênero, machismo, discriminação, bullying, cultura do ódio e do cancelamento, pobrefobia escancarada, uma sociedade anestesiada.

Como a fé pode nos inspirar a superar essa realidade? A fraternidade universal está no coração do Evangelho. Vós sois todos irmãos (Mt 23, 8)! Todo ser humano é reflexo do amor do Criador como fonte de amor. Todo ser humano “foi criado por meio do Filho e em vista Dele” (Col 1,15-17). Filho que nos deu uma Nova Lei: “amai-vos uns aos outros como eu vos amei” (Jo 13,34). Amizade social é uma resposta ao Amor: “Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (1 Jo 4, 7-8).

A verdadeira riqueza é o bem que fazemos aos outros. Através da parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37) Jesus nos ensina que a “amizade social e a fraternidade universal exigem um reconhecimento essencial: tomar consciência de quanto vale um ser humano, de quanto vale uma pessoa, sempre e em qualquer circunstância” (FT, 106). A expressão mais alta de amizade social é “amar ao mais desimportante e desprezado dos seres humanos como a um irmão, como se existisse apenas ele no mundo” (FT, 193). Priorizar os últimos na escala do poder político, social e econômico, os ignorados e invisíveis. “O que vocês fizeram ao menor dos meus irmãos, a mim o fizeram (Mt 25, 40). Ignorar o pobre é desprezar Deus. Não haverá fraternidade universal sem amizade com o pobre. 

É preciso agir para “alargar o espaço da nossa tenda” (Is 54, 2), pois “quem não pratica a justiça não é de Deus” (1 Jo 3, 10). Ainda que seja “difícil ter olhos às injustiças que cometemos” (Dom Helder Câmara), cada pessoa está desafiada a identificar aquelas vaidades e interesses egoístas que impedem olhar o outro com amor e respeitar a diversidade de cor, religião, cultura, orientação sexual. Na comunidade e no ambiente de trabalho, ações simples podem gerar uma “cultura da amizade”: fazer novas amizades, desfazer panelinhas, combater discriminações.

Na esfera social, são expressões de empenho pela fraternidade universal: o voluntariado junto aos mais pobres, o enfrentamento ao racismo e ao machismo, um firme compromisso com a democracia, a justiça social e os direitos humanos, promover a fraternidade e combater o ódio nas redes sociais e atuar corajosamente junto aos movimentos sociais.

Todas as pessoas são iguais em dignidade. Somos todos irmãos e irmãs. “Todos são importantes, todos são necessários, todos são rostos diferentes da mesma humanidade amada por Deus” (FT – Oração cristã ecumênica).

 

Élio Gasda, SJ é professor e pesquisador no departamento de Teologia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia (FAJE)

In: site da FAJE

imagem: cartaz da CF/2024