Pandemia, bolsonavírus, isolamento, confinamento, nada disso combina comigo. Aliás, com ninguém. É difícil desacostumar de abraços.
Há pouco, fui ver minha mãe, que está de quarentena na casa do meu irmão, Cláudio. Seus netos quase todos, estavam lá. Na rua, de máscara, distância regulamentar entre nós e a avó, separada de todos por uma parede de vidro. Muito difícil, mas é o que temos no momento.
Nessa travessia, para que o bichinho da depressão não se transforme num monstro, estou fazendo o exercício das pequenas felicidades, já que os grandes voos da alegria estão limitados.
No almoço, dividi uma cerveja especial com o Daniel, meu filho, companheiro de isolamento social, saboreando o marmitex da Leia, que tem mãos mágicas no fogão. Foi bom. Arrumar a cozinha é chato, a pilha de pratos, copos, panelas e talheres surge por geração espontânea, mas, depois, entregá-la limpinha à Laila e receber um elogio é muito bom.
Desde que saí do último colégio, rompendo de vez meu vínculo com o trabalho formal, aposentei o relógio que, sintomaticamente, quando recebi meu primeiro salário fui à Galeria Ouvidor, o nosso shopping da época, e comprei. Um Mirvaine 17 rubis com o qual cronometrava as minhas horas de trabalho. Fui seu escravo (e dos seus sucedâneos) a vida toda. Agora, ter liberdade em relação ao tempo, à agenda, é uma sensação boa, apesar de sentir muita falta das pessoas que faziam parte da minha rotina.
Ser capaz de recriar rotinas e se deixar surpreender é outra magia. Descobrir pessoas e coisas inspiradoras, nas Redes Sociais, por exemplo. Como tem gente boa, sensível, inteligente, nesse mundão de meu Deus!
Felicidade é, na verdade, uma coisa bem simples. Tão simples como Deus. Sim, Ele é absurdamente simples. Ele é Amor. E amar é muito simples, o que não quer dizer que seja fácil: querer bem, querer ver o outro feliz e ser feliz junto com ele, seja ele ou ela quem for.
Isso vale para mulher, marido, filho, vizinho, empregado, chefe, colega e até os desconhecidos anônimos que todos os dias cruzavam o meu caminho, o nosso caminho. Hoje, todos escondidos atrás da máscara que nos lembra que somos iguais na nossa fragilidade...
Esses rostos que hoje, não vejo, são de pessoas que querem e buscam o mesmo que eu; ser feliz. Quer coisa mais simples? Quer coisa mais extraordinária do que dar às pessoas que me rodeiam, quaisquer que sejam elas, o presente de serem felizes, hoje, pelo simples fato de que se encontraram comigo, ainda que na virtualidade dessa crônica?
Volto ao Flávio Miglaccio...
Que imensa solidão...
É o risco que, hoje, todos corremos. E nosso desafio é encontrar o equilíbrio possível em meio a esse tempo de perplexidades, quando nossas certezas e seguranças parecem se desfazer diante do cenário que se descortina nas janelas da nossa casa, da nossa alma.
Para fazer a travessia do deserto árido da solidão, prima-irmã da depressão, é importante ter paciência e lutar muito, internamente, contra as moções destrutivas que ela provoca.
Jesus, ao mergulhar na nossa História, ao fazer-se um de nós, experimentou nossas fragilidades e nos amou ainda mais por causa delas. Na solidão imensa da cruz, certamente encontrou consolo na presença de João, de Maria, dos poucos e preciosos amigos que ficaram ao seu lado, até o fim. Com os olhos neles, rompeu a solidão e entregou seu espírito nas mãos do Pai, certo de que aquela dor, e dor de morte, não era a palavra final. Sua passagem pelo túmulo não foi mais que isso; passagem.
A escuridão é passageira, Só anoitece até a meia-noite. A madrugada já é o começo do amanhecer.
Somos filhos da luz.
Fica na Luz, seja Luz, Flávio...
Eduardo Machado
09/05/2020