Inácio de Loyola foi um homem da mudança, da transição no tempo, dos tempos novos, agitados, turbulentos, de transbordantes novidades que punham em questão tudo o que até então ele recebera; mas não se fechou a elas e, sim, abriu-se ao diferente e novo. Um novo “movimento” começa em sua vida e Inácio passa a viver a aventura de contínuos deslocamentos, internos e geográficos. Torna-se o peregrino do Absoluto.
Sempre em marcha, sem encurtar os passos, o peregrino Inácio avança como homem livre, sem deixar-se aprisionar por nada nem por ninguém, aberto aos acontecimentos, pronto a servir a Deus ali onde O encontra. A peregrinação interna e geográfica o torna mais humano, com maior visão, grandes desejos.
A grande originalidade na história e na vida de Inácio não é a que ocorreu fora, mas a que aconteceu dentro dele mesmo. Sua principal contribuição à história da humanidade não é o que pessoalmente ele realizou em suas atividades de apostolado e de governo, ou sua obra exterior mais conhecida, a Companhia de Jesus, mas a descoberta de seu “mundo interior” e, através dela, a descoberta desse continente sempre inexplorado e surpreendente, que é o coração de cada ser humano, onde acontece o mais importante e decisivo em cada pessoa.
Imobilizado e impossibilitado fisicamente, Inácio se surpreende a si mesmo escavando e trazendo à tona toda sua capacidade de aventura neste continente inexplorado (o de seu mundo interior e o da ação de Deus nele). Enquanto seus contemporâneos aventuravam-se na descoberta de novas terras, seu descobrimento não é menos importante, e é de maior alcance humano que o daqueles. Sem ruído, sem galeões, sem dinheiro, sem pólvora, sem armas, sem sangue, sem violência, sem vencidos e humilhados, Inácio abrirá caminhos nesse continente interior, próprio e de cada ser humano, “conduzido, sabiamente ignorante” do que vai encontrar, deixando-se levar e observando como é levado.
A partir do seu percurso interior, inicia-se um movimento de itinerância geográfica. Mais que um simples se deslocar, trata-se de um modo de viver e de situar-se no mundo. Depois de ter posto materialmente seus pés sobre as pegadas de seu Senhor e beijar o solo que Ele havia pisado, Inácio compreende que a terra de Cristo era o vasto mundo de seu tempo. Desde então, para além do deserto e da peregrinação a Jerusalém, abre-se diante de seus olhos, outro caminho.
Iluminado pela luz divina, faz-se peregrino de Deus. Peregrinar é avançar pelos caminhos do mundo, conhecer povos e costumes, escutar ideias novas e opiniões diferentes, sentir-se solidário com outros caminhantes.
Assim se dilataram infinitamente seus horizontes.
Decididamente, Inácio se volta para o mundo, esse borbulhar de acontecimentos sócio-político-religiosos, no qual reconhece o lugar da Encarnação.
Buscando considerar todas as coisas em sua referência a Deus, Inácio quer servi-lo em toda circunstância. Dado que seu Criador e Senhor está presente e ativo em todo e qualquer lugar, ele se dirige ao mundo sem temor a nada, seguro de que cada um de seus passos o conduz ao lugar da adoração e do serviço.
Inácio contempla o mundo com Deus; longe de representar um espaço de perdição e de dispersão, o mundo é para ele o lugar do serviço. O olhar que pousa sobre a realidade reacende nele a saudade de Deus e o sentimento de sua presença.
A partir de então, o mundo o aproxima de Deus e a saudade de Deus não o afasta do mundo.
Àqueles que desejam segui-lo, Inácio lhes propõe um itinerário para “encontrar Deus em todas as coisas”: olhar a criação, acolher cada criatura e cada acontecimento como uma mensagem divina, aceitar a própria história e deixar-se levar por seu dinamismo.
Inácio de Loyola foi um homem universal: basco, castelhano, catalão, parisino, veneziano, romano e europeu. Seu coração era tão grande como o mundo, sempre livre para a maior glória de Deus.
Para fazer-se presente neste vasto mundo, de uma maneira original e criativa, decidiu “estudar”. Formou-se em Paris, onde conquistou o título de Mestre em Artes.
Ali se matriculou com um nome novo, no dizer de Ribadeneira, “por ser mais universal”: Inácio.
Mesmo durante o período de l541 até 1556, ano de sua morte, quando se instalou em Roma, continuou sendo o peregrino que escolheu ser. A partir de seu pequeno quarto, estava presente em todos os pontos do mundo onde algo novo brotava.
Suas preocupações e suas cartas estão cheias de nomes de toda a geografia universal até então conhecida, desde o Congo ao Brasil, desde Espanha até a China ou Etiópia.
O basco Inácio de Loyola alcançou, assim, sua plenitude humana e divina precisamente porque foi capaz de abrir-se à universalidade de todas as terras, de todos os povos e de todas as culturas, sem distinção de raças nem exclusão de ninguém. Foi norma sua que “o bem quanto mais universal, mais divino”.
Nestes novos tempos, tão conturbados e carregados de violência preconceituosa e intolerante, o Espírito continua chamando cada um de nós a uma presença mais aberta e livre, mais inspiradora e compassiva, no relacionamento com todos aqueles que são os outros. Afinal “somos pessoas para os outros e com os outros”.
A cultura do mundo no qual agora vivemos requer outro tipo de presença: “viver a cultura do encontro, frente à cultura da indiferença” (Papa Francisco)
Somos desafiados a “viver uma vida no mundo e no coração da humanidade” (P. Kolvenbach).
Tal desafio implica fidelidade à realidade que nos cerca, para poder descobrir a novidade de Deus numa experiência “mística” que nos faça tocar no mais profundo desta mesma realidade.
Não se trata de fugir da realidade, mas de perceber sua última dimensão, na mais profunda dinâmica, ali onde o Espírito de Deus e o nosso se fundem em uma combustão que nos torna criadores da novidade neste mundo.
Estes nossos tempos, novos e turbulentos, pedem de todos nós, críticos, inquietos e vigilantes, uma constante releitura dos novos “sinais” que surgem, a necessidade de viver em estado de atenção permanente, capaz de nos deixar impactar por tudo o que acontece e, no discernimento, assumir decisões mais ousadas e criativas.
Se alguém se mantém constantemente de olhos abertos diante do que está vivendo, como fez Inácio, se está aberto às novas formas de socialização que estão transformando o nosso mundo, se alimenta as novas esperanças de uma humanidade que é diferente, se valoriza as novas formas de expressar a experiência religiosa..., certamente estará assumindo uma atitude ativa e acolherá tudo o que humaniza e rejeitará tudo o que desumaniza.
Que S. Inácio nos inspire a “estar no mundo..., sem sair do mundo”, à maneira de Jesus, com o coração cheio de compaixão, com os pés sempre em movimento quebrando distâncias, com as mãos sempre abertas para o serviço solidário...
Pe. Adroaldo Palaoro sj