Vivemos num mundo que nos puxa, constantemente, para fora de nós, para substituir a vida interior pela realidade virtual. Agora, vivemos as vidas das outras pessoas – personagens de telenovelas televisivas, de histórias das séries dramáticas, das celebridades dos jogos de entretenimento, das figuras do desporto, em campo ou fora dele, dos reality shows que fazem de nós todos voyeurs. A vida interior é coisa do passado – ou, se não é completamente do passado, também não é uma coisa muito confortável.
 
A primeira coisa que um noviço aprende a respeito do processo de oração é a forma de se sentar imóvel, de não fazer nada, de aprender a tornar-se consciente do caos que existe dentro de nós, em vez de o preencher com o caos que existe fora de nós. O caos que está dentro de nós é o princípio do relacionamento com Deus. É aqui que espreita a matéria de que é feita a nossa inquietude, a nossa ambição, o nosso narcisismo, a nossa confusão. E, assim, é aqui que temos de começar a compreender a verdadeira corrente submersa, constante, dentro de nós. É aí que encontraremos e daremos nome aos verdadeiros medos, às esperanças mais profundas, aos mais completos sentimentos da vida.
 
Não, esta luta da alma não é agradável. Mas os sentimentos e a fidelidade não são a mesma coisa. O sentimento diz-nos onde não queremos estar. A fidelidade diz-nos que, para crescermos, temos de permanecer onde somos necessários. É aquilo que nos incomoda, nos silêncios mais terríveis, que deve ser domesticado, se alguma vez quisermos crescer para além do ego e nos braços de Deus.
 
Contudo, não podemos encontrar Deus enquanto não conseguirmos, finalmente, escutar o silêncio, permanecer nus diante de Deus, fazendo as pazes com o ego.
 
A fidelidade, a contínua convicção de que Deus é Aquele que espera por nós na parte mais profunda no nosso eu interior, é o que nos mantém no processo de dominar as tempestades, por muito tempo que esse processo possa demorar.
 
Mas, sem a fidelidade ao processo de interiorização – sem a vontade de nos retirarmos dos ruídos plásticos que nos rodeiam para aprendermos os sons do silêncio, que são o chamamento de Deus, o verdadeiro bem nunca poderá chegar. O chamamento a uma vida para além do caos interior, a formação de ideias novas, ricas e mais substanciais, a focagem da alma em Deus, a quebra das cadeias provenientes do nosso apego àquilo que é superficial, são a recompensa da vida interior.
 
É a vida interior que nos liberta para sermos os nossos eus reais e totais. Liberta-nos para um relacionamento com Deus.
 
 
 
Joan Chittister
In O sopro da vida interior, ed. Paulinas