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A humanidade sofre sérias consequências quando deixa de investir na unidade interior – ponto de equilíbrio e sustentação que permite a cada pessoa agir de modo assertivo nos diversos campos da vida. Sem a unidade interior, as muitas possibilidades oferecidas pela inteligência humana não são suficientes para superar os obstáculos que pesam sobre a humanidade. E, muitas vezes, o “progresso” desconsidera as estaturas humanitária e espiritual que precisam permear as atitudes de cada pessoa. Percebe-se, frequentemente, um descompasso entre a dimensão existencial e a posição que se ocupa, no campo profissional ou no exercício de outras responsabilidades. Para além da competência técnica, da experiência ou da força política, é preciso investir na unidade interior, o ponto de equilíbrio.

 

Mas não se busca esse caminho. Concentra-se fortemente, e até exclusivamente, nos projetos que resultam em conquistas de poder, nas oportunidades que garantam ganhos financeiros. Tudo a partir de uma compreensão equivocada do que é bem-estar, considerado apenas como a experiência de se usufruir das coisas, das benesses. Esse modo de compreender obscurece o olhar humano, que não consegue mais enxergar a necessidade do investimento na unidade interior. Há uma exigência fundamental que deve desafiar todo indivíduo: o cuidado com o próprio “poço”. Há um “poço interior” que alicerça a conduta de cada pessoa e define os rumos de suas escolhas. Incide, determinantemente, sobre a qualidade dos exercícios cidadãos, profissionais e familiares.  A medida, portanto, não está “do lado de fora”. Decisivo e mais importante é o “poço”, a interioridade de cada pessoa, responsável pela consciência, pelos sentimentos e pela articulação humanística dos valores.

 

A interioridade é que gera a competência para as ações cidadãs. Sem investir nesse âmbito, os comprometimentos são muitos, a mediocridade torna-se regra. Não basta ter alcançado um título, vencido eleições, ocupar cargos e nem mesmo a convicção de se estar onde está por ser merecido. Cada pessoa deve mensurar seus atos, considerando a qualidade de suas intervenções e sua influência nos necessários processos de transformação. Tudo temperado por uma simplicidade que forja um tecido cultural de respeito e de unidade.  Assim é possível superar descompassos que estabelecem o caos na sociedade.

 

A humanidade perdida precisa, com mais velocidade, reencontrar rumos. Por isso, a importância do empenho em buscar a unidade interior, alicerce para condutas adequadas, balizadas por valores que podem deter os problemas humanitários, a exemplo das guerras, migrações forçadas, insensibilidade diante da dor dos pobres e crescimento incontrolável da violência. Em busca da unidade interior, há um percurso a trilhar: é preciso e urgente investir em uma espiritualidade que possibilite aprender a lidar com a interioridade. E que contribua, assim, com o exercício diário de limpar o próprio “poço”. A espiritualidade pode qualificar o sentir e o agir de cada indivíduo, tornando-o instrumento de construção da solidariedade e da cultura da paz.

 

Chega agora, mais uma vez, a oportunidade de ouro para se investir na unidade interior e requalificar o tecido humano: a vivência da Semana Santa, a Semana Maior. Não como um “feriadão”, mas reconhecendo nesse tempo a chance de se fazer um fecundo retiro espiritual. Esse exercício é fundamental para limpar a própria interioridade de tudo o que se origina nos limites e fragilidades humanas. O segredo é fixar o olhar em Jesus Cristo.  De modo silencioso e amoroso, deixar-se tocar por seus gestos, por suas palavras e pelo acolhimento de suas indicações. Uma experiência que não pode ser substituída por futilidades, pela fugacidade de sensações.

 

Vale a pena vivenciar e engajar-se na celebração da Semana Santa, no coração da própria família e na comunhão da comunidade de fé, compreendendo o sentido de cada uma dessas celebrações. Um investimento forte e determinante na ordem pessoal e social para renovar a unidade interior, alicerce que sustenta as competências e a vida cidadã. Eis um remédio indispensável.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte