“Quanto menos compreenderem,
melhor marcharão.”
Albert Camus[1]
Veja abaixo um pequeno vídeo educativo em torno das atuais tecnologias de controle e manipulação da mente alheia, chamada de “lavagem cerebral”, bem exemplificada aqui no uso para fins e assédios eleitorais.
Para de fato haver “lavagem cerebral”, um cérebro precisa se banhar nas águas sujas da mentira repetida e deliberada, programada, deslavada, estúpida, replicada sem fim à vista. Ou seja, o cérebro é levado a um tipo de “lavanderia” em que a roupa volta mais suja do que entrou.
Esse tipo de lavanderia, não necessariamente “chinesa”, ela é uma formosa conhecida de máfias e outras instituições criminosas que a usam como fachada de escusos negócios não declarados. Daí brota também a expressão “lavagem de dinheiro”. De dinheiro sujo[2].
Arauto infame da moderna lavagem cerebral foi o Ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels, cuja principal divisa era: “repita e repita a mentira, muitas vezes, até que ela se faça ‘verdade’ “. Segundo agradecidas declarações do próprio Hitler, "Führer", isto é, "líder" e “mito” da catástrofe anunciada, sem o uso de tal recurso, sem este Ministério da Mentira, ele não teria conseguido chegar ao poder para implantar o nazismo como sistema de engano coletivo, eficaz, definitivo. “Definitivo” quer dizer: poder chegar tranquilo ao inevitável Fim de todos.
Sendo questionado por repórteres sobre verdade ou mentira de seus pronunciamentos, o ex-presidente americano Donald Trump certa vez retrucou: “tanto faz se é verdade ou mentira, o que importa é que venham de minhas vísceras (from my guts).” Eis a fórmula de tiranos e autocratas que se pretendem populares e bem sucedidos.
Hajam vísceras. A mentira visceral sempre desce da cloaca de um “cérebro” altamente poluído, bem lavado. E de coração nem falemos. É inde(s)cente.
Mas o problema maior talvez não seja o mentiroso, o profissional da mentira, o problema é daquele que voluntariamente se presta a aderir à mentira abertamente descarada e desavergonhada, óbvia, maliciosa, mal intencionada. O que seria do mentiroso sem seu ávido e fiel público, sem que se fortaleça nas ocultas necessidades de seus crédulos seguidores?
Hipótese provisória: a mentira é aquilo que ajuda o sujeito a renunciar à própria consciência, de forma que possa enganar e se enganar enquanto permanece de "consciência limpa” mesmo assim.
A “lavagem cerebral” seria, portanto, “lavagem” pastoral da consciência, exorcismo da boa consciência, daquela mesma que nos alerta e incomoda quando agimos mal, de má fé[3].
Nas chamadas "redes sociais", a hodierna mentira é lançada “personalizada”, assim se diz, mas a afirmação é um tanto enganosa, através da mentira agora algoritmizada somos despersonalizados, a seco “lavados” de nós mesmos, de nossas individualidades e propriedades, desprovidos de pensamentos e juízos próprios. Tornamo-nos "homens sem qualidades" (Robert Musil), "unidimensionais" (Herbert Marcuse), "pseudo-pessoas" (Günther Anders) à mercê de uma mediocridade que se faz tirana, que ambiciona o Poder.
De lambuja, bem propagada nos eficientes aplicativos, a mentira nos seduz e ilude na segurança do impessoal, isentando-me de responsabilidade direta. É só clicar e propagar. Acredito que não serei chamado à corte da consciência que tanto me urge. Creio assim na máquina que me redime de culpa. Credo.
Trabalhemos então por boas e honestas “lavanderias”? Pois nada melhor para “lavar” o "cérebro", o organismo, do que ser indivíduo de verdade, pensar direito, apreciar uma integridade resistente a todas formas de propinas e seduções vantajosas, nada mais feliz do que banhar a alma nas salutares vibrações da empatia, do respeito e amor ao próximo.
No céu da consciência, mentira alguma jamais entoou o hino da vitória.
Ilan Grabe
27.10.2022
Imagem: autorretrato Picasso
vídeo: https://bit.ly/3Epd8Jr
[1] Albert Camus, em Estado de Sítio, São Paulo: Abril Cultural, 1982, pag. 51.
[2] Note que a expressão “lavagem de dinheiro” tem origem na década de 20, em Chicago, quando Al Capone, famoso chefe da máfia, comprou uma rede de lavanderias para formar uma empresa de fachada chamada de Sanitary Cleaning Shops.
[3] Observe também que nossa palavra “lavar” vem do latim “lavare”, que significa expurgar, purificar, reabilitar.